No último dia 30.11.2022 tive a oportunidade de palestrar no VI Congresso Paraense de Direito de Família realizado pelo IBDFAM, a maior instituição de estudos dirigidos sobre Direito sucessório e familiar do Brasil, instituto esse que me orgulho fazer parte da Diretoria de seção Pará. O evento homenageou o grande jurista paraense e meu mestre, Zeno Veloso.
Como boa discípula que fui, resolvi falar do tema mais abordado por Zeno antes de sua prematura partida. A sucessão hereditária do Cônjuge, trazendo à discussão um recorte bem polêmico: A esposa ou marido separado tem direito à herança?
Tal qual Zeno fazia, a minha palestra foi baseada em uma boa história cujo protagonistas eram Malévola, a esposa; Príncipe Felipe, o esposo; e Aurora a nova companheira.
Senta que lá vem história…
Malévola casou-se no ano 2007 com Felipe e com ele teve três filhas e assim permaneceram até 2014, quando Felipe saiu de casa sem formalizar o divórcio. Por sua vez, Felipe conheceu Aurora um ano depois de separado, e tremendamente apaixonado, convida Aurora para morar consigo, em seu apartamento. No entanto, repentinamente Felipe morre de COVID, e assim que o lockdown acaba, Aurora é expulsa do apartamento em que vivia com o amado por ninguém menos que Malévola, a viúva.
A pergunta que não quer calar é: Aurora e Malévola são herdeiras e concorrerão igualmente aos bens deixados por Felipe?
Felipe, apesar de viver de forma pública, contínua e duradoura com Aurora pelos últimos cinco anos, não realizou nenhum tipo de escritura de união estável, e sabe qual motivo? Desinformação! Felipe e Aurora pensavam que não poderiam reconhecer a sua família estável, pelo fato de Felipe ser casado no papel com Malévola.
Felipe chegou a noivar com Aurora em uma festa intimista com a sua família e registrou esse momento. Ele queria viver “felizes para sempre” com Aurora, mas infelizmente a pandemia terminou com este sonho, antes que ele tivesse a chance de regulamentar a sua situação.
Malévola, que para o Direito era a viúva, tinha a certeza que todos os bens de Felipe seriam herdados por si, e por isso, portando a certidão de casamento, requereu a herança de Felipe. Mas foi surpreendida por Aurora, que também fazia o mesmo baseando-se nos artigos 1.723, § 1º e 1.830 do CC que prelecionam que é possível o reconhecimento de união estável de pessoa casada desde que ela esteja separada de fato do cônjuge, que por sua vez, também não recebe status de herdeiro em virtude da separação de fato (isso significa que não mais conviviam maritalmente).
Ou seja, Aurora é a herdeira de Felipe e não Malévola, que apesar de ser viúva, perdeu o direito de herança em virtude da separação de fato.
Atenção, apesar da história fazer alusão ao mundo Disney, Aurora sofreu muito para obter esse resultado, em um processo que durou anos, por isso, não deixe de procurar seu advogado e sempre regulamentar a sua situação enquanto é tempo!
Por último, um recado para o Céu. Querido Zeno, espero ter gostado da história, com carinho, Jamille.
Jamille Saraty: É advogada, mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra, pós-graduada em proteção de menores pelo Centro de Família da Universidade de Coimbra, membro da diretoria do IBDFAM-PA, professora de graduação e pós-graduação em Direito. | jsaratyadv@gmail.com
Fonte: O Liberal