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A cláusula de paz nas negociações coletivas e o dever de influência sindical

Sucesso da negociação coletiva (factum proprium) induz a manutenção do status quo As relações de trabalho são essencialmente conflituosas. Especialmente no âmbito do direito coletivo do trabalho, quando as partes chegam a um consenso, geralmente costuma-se firmar um instrumento para materialização da negociação coletiva, via acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho. A…

Sucesso da negociação coletiva (factum proprium) induz a manutenção do status quo

As relações de trabalho são essencialmente conflituosas. Especialmente no âmbito do direito coletivo do trabalho, quando as partes chegam a um consenso, geralmente costuma-se firmar um instrumento para materialização da negociação coletiva, via acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho estimula a prática da negociação coletiva, considerando-a a melhor forma de composição dos interesses nas relações de trabalho. As diretrizes desse Organismo Internacional são consubstanciadas em diversos documentos internacionais, especialmente a Convenção nº 98, de 1949, dispondo sobre direito de sindicalização, de negociação coletiva e de proteção do trabalhador contra todo ato de discriminação restritivo da liberdade sindical em relação ao seu emprego, ratificada pelo Brasil em 1952.

Firmada a negociação coletiva, ainda que não haja cláusula expressa a respeito, as partes se comprometem em não fazer novas reivindicações ou promover ameaças de paralisação, salvo em caso de alteração substancial das circunstâncias fáticas existente na época do ajuste. Trata-se, com efeito, de manifestação do princípio da boa-fé objetiva.

O paradigma da boa-fé impõe a vedação de posições contraditórias e de condutas incoerentes nas relações. Ao lado do princípio da segurança jurídica, o princípio da boa-fé objetiva faz surgir a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedindo que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório.

A cláusula de paz, do alemão friedensvertrag, ainda que não esteja expressa no instrumento, está nele subentendida. O dever de paz é da essência da negociação coletiva. Está nela implícito e subjacente, apresentando-se como compromisso, inerente e intrínseco a toda negociação coletiva, a partir da qual as partes comprometem-se em não levar a cabo nenhum tipo de ação conflitiva, especialmente a greve, durante o período de vigência do instrumento.

Ao discorrer sobre as cláusulas obrigacionais dos instrumentos coletivos Amauri Mascaro Nascimento faz alusão a três deveres imanentes ao ajuste coletivo e, escorado na doutrina germânica, leciona que “a cláusula de paz está implícita, fundamentando-a na teoria dos deveres imanentes dos acordos coletivos, segundo a qual todo acordo normativo pressupõe tacitamente o cumprimento de três deveres: sua aplicação, seu cumprimento pelos representados e a abstenção de conflitos. Há também quem fundamente o mesmo dever no princípio da boa-fé dos contratantes”.1

A doutrina ainda afirma que “as cláusulas de paz e de influência são de conteúdo obrigatório da negociação coletiva e, segundo alguns doutrinadores, sequer precisam estar expressas no documento coletivo. Tal afirmação parte da premissa de que a convenção coletiva de trabalho tem como um dos papeis primordiais a criação e a manutenção de uma trégua nas relações entre trabalhadores e empregadores, daí que o dever de paz (e/ou de influência) se considere imanente à regulamentação convencionada, como elemento constitutivo da causa do contrato coletivo. As cláusulas de paz e de influência constituem uma exigência da boa-fé objetiva e seus deveres anexos em relação aos representantes sindicais o que inclui também respeito ao valor constitucional representado pelo princípio da livre iniciativa e da consequente atividade empresarial”.2

Assim, firmada a negociação coletiva e, desde que mantidas as mesmas circunstâncias fáticas que permeavam a ocasião na qual o acordo foi feito, as partes comprometem-se a manter as coisas como estão, em decorrência de seu dever de fidelidade e de boa fé.

Em razão da cláusula de paz, também conhecida como cláusula de trégua, surge para o sindicato o dever de não fazer novas exigências durante a vigência da norma coletiva, bem como não fazer greve enquanto em vigor norma coletiva. Em outras palavras, de um lado, as empresas aceitam e se comprometem a aplicar determinadas condições de trabalho e a parte sindical obreira se abstêm de exercer algum tipo de greve, erradicando, por consequência, embora de forma temporária, todos os conflitos no âmbito de aplicação da convenção.

Outrossim, como consectário da cláusula de paz, surge também o chamado dever de influência, correspondente ao esforço que o sindicato deve desempenhar para que seus representados não descumpram a paz estabelecida. Assim, o sindicato assume dois tipos de obrigação: uma negativa, consistente em não fazer novas reivindicações durante a vigência da norma e a de não deflagrar greve; e, ainda, uma positiva, pela qual deve influenciar seus membros na observância das obrigações que lhes imponha o acordo.

Como dito, a cláusula de paz decorre do dever de boa-fé objetiva, na sua feição venire contra factum proprium, ou seja, veda-se o comportamento contraditório e tutela-se a confiança despertada na outra parte. Logo, é vedado sinalizar uma conduta em determinado sentido e depois contradizer a expecta já criada com o comportamento anterior.

Fala-se, assim, em “comportamento esperado”, ou seja, espera-se que o titular do direito aja de determinada maneira e, assim agindo, desperta no outro a expecta legítima de que permanecerá inerte.

Nessa ordem de ideias, conclui-se que o sucesso da negociação coletiva (factum proprium) induz a manutenção do status quo, ainda que por um determinado período de tempo, criando nas partes uma expecta séria de que determinadas posições jurídicas (venire) não mais serão exercidas, o que suprime a possibilidade de exigência dessa pretensão.

A propósito, o dever de paz encontra positivação no artigo 14 da Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, prevê que “Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho”.

Assim, a manutenção da paralisação após a celebração após a celebração do ajuste coletivo viola a cláusula de paz e, por consequência, a boa-fé objetiva, configurando a abusividade do movimento.

Não obstante, é preciso deixar claro que isso não supõe uma proibição absoluta do exercício da greve durante o período de vigência da norma coletiva, em razão da chamada cláusula “rebus sic stantibus”, que autoriza o início de novas tratativas em caso de mudança substancial das condições e circunstâncias que foram levadas em conta no momento da pactuação.

Logo, na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição ou seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho (art. 14, parágrafo único, da Lei nº 7.783/89).

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