fbpx

Artigo: O termo incial da prescrição no processo administrativo disciplinar – Por Vicente Paula Santos

O direito não prescreve, pode vir a cair em caducidade1. Do contrário o que prescreve é a pretensão do Estado dirigida contra o Estado para que faça valer o direito lesionado ou ameaçado de lesão até mesmo contra o próprio Estado. Acostuma-se como praxe a compreender que o direito de ação prescreve, via de consequência, com ela desaparece o direito, ou seja, o direito fica desguarnecido da força do Estado para fazê-lo valer contra quem não o cumpriu espontaneamente.

A Constituição Federal do Brasil de 1988, no rol dos direitos fundamentais, especificamente no artigo 5º, inciso XXXV, assegura a todos de forma universal que “a lei não pode excluir a possibilidade de apreciação, pelo Poder Judiciário, quando envolvam lesões ou ameaças a direitos”. A fim de efetivar esse direito de não sofrer quaisquer lesões, o Poder Judiciário foi dotado dos instrumentos da jurisdição, da ação e do processo, por meio dos quais os cidadãos, nos prazos estabelecidos por lei, têm a faculdade de exigir do Estado a prestação do serviço jurisdicional por intermédio do ingresso de uma ação judicial que segunda promessa constitucional será julgada em tempo razoável. Com tais medidas visa prevenir que as ameaças aos direitos se consumam ou, caso já tenham ocorrido, a garantia do ressarcimento adequado, preferencialmente dando tudo que o credor tem direito.

A expressão “jurisdição” engloba o poder conferido a determinados órgãos ou indivíduos estatais para aplicar o direito aos casos específicos apresentados pelos cidadãos, cidadãs e pessoas jurídicas. Por sua vez, a expressão “ação” quer designar a força utilizada pelo Estado para solucionar os conflitos de interesses não satisfeitos. O processo, por sua vez, é significa o instrumento disponibilizado pelo Estado às partes envolvidas, com o objetivo de administrar justiça de forma ágil, dentro de prazos razoáveis. Vale ressaltar que a própria Constituição Federal estabelece que o processo deve ser conduzido dentro de um prazo considerado razoável.

Justamente, por isso, o tempo de duração do processo, após sua chegada ao fórum competente, não pode ficar à mercê das vontades das partes envolvidas, cabendo ao juiz impulsioná-lo de ofício, ou seja, independentemente do desejo dos interessados o prossegue segue para frente. Isso se dá especialmente porque a manutenção das disputas e intrigas, em que cada parte busca subordinar o interesse do outro ao seu próprio, não são de interesse do Estado ou da sociedade, que almejam promover a paz social e a harmonia nas relações jurídicas.

Por razão de segurança jurídica e paz social os conflitos não deve permanecerem eternos e uma vez não resolvidos pelo serviço jurisdicional do Estado, os institutos da decadência e da prescrição se encarregaram de cotar-lhes a infinitude. Assim a prescrição traz uma ideia de poder-dever de exigir judicialmente a reparação dos direitos lesionado ou feridos, pois do contrário estar-se-á dando azo à prescrição cuja função é justamente punir aquele que pode, mas não age nos prazos legais em busca da reparação de um direito lesionado.

O problema enfrentado de difícil solução é quanto ao dia em que começa a contar os prazos de prescrição, se no dia do fato gerador ou no dia em que a vítima dele conhecimento. Das duas hipóteses possibilidades filiamo-nos à primeira corrente que defende o critério objetivo, não obstante o ônus a prova de que não como tomar conhecimento do fato seja da autoridade competente para instaurar o Processo Disciplinar.

Na ordem jurídica brasileira o único dispositivo que de forma incompleta tenta solucionar tormentosa questão é o artigo 189 do vigente Código Civil. Este prescreve que violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. A pretensão resistida ou insatisfeita, convém repisar, surge no exato momento em que o direito é lesionado, desrespeitado ou colocado sob ameaça, devendo ser exercida dentro dos prazos legais, já que o direito não socorre aos que dormem, nem aceita que os conflitos se prolonguem no tempo.

O Ex-Ministro do STJ Eduardo Ribeiro, afirma que não interessa ao Estado que os conflitos se eternizem por tempo indeterminado. Essa indeterminação destrói as principais funções do Direito em trazer segurança jurídica, paz social e calmaria para as relações jurídicas, popularizando a lapidar frase do filósofo alemão Rudolf Von Jhering que “quem não exerce seus direitos prontamente não é digno dele”, destacando, ainda, a importância da participação do cidadão na busca por justiça.

Outra importante contribuição fornece a Ministra Nancy Andrighi do STJ2 quando afirma que o “instituto da prescrição se relaciona com a inércia do titular de uma pretensão em exercê-la”. Assim, o exame da prescrição deve ter como baliza o momento em que o titular da pretensão toma ciência inequívoca da lesão ao seu direito, pois somente nesta oportunidade surge para ele a pretensão de obter a reparação dos prejuízos sofridos, todavia, nem todos pensam como a Ministra segundo a qual o prazo começa a correr a partir do conhecimento da lesão.

No contexto de um sistema jurídico voltado à pacificação dos conflitos sociais, em se tratando de direito sancionador, é imprescindível que sejam estabelecidos limites temporais claros para o exercício do poder persecutório do Estado.

A convivência harmoniosa entre os cidadãos e o Estado pressupõe um equilíbrio entre a busca pela justiça e a preservação dos direitos fundamentais dos indivíduos. Nesse contexto, a permissão de um poder persecutório ilimitado e sem prazo definido pode ser aceita como abusivo e afrontosa do princípio da dignidade da pessoa humana, a qual fica sujeita a qualquer tempo a vir ser chamada para responder a infrações cujo tempo decorrido, muitas vezes, se encarregou da pacificação social.

Tudo quanto exposto acima prova que a contagem do início do prazo prescricional no Brasil passando pelo Código Civil revogado, artigo 177, mantido pelo atual no artigo 189, ao menos no setor privado, toma como marco inicial, geralmente, o primeiro dia útil subsequente ao anterior, denominando-se esse critério como objetivo por força do qual para solução de problemas relacionado a prescrição adotou-se a teoria da actio nata.

Para essa teoria, não importa que a ação seja extinta, ressalvados os casos excepcionais de suspensão ou interrupção da prescrição, a objetividade do tempo decorrido dentro de certo de certo lapso mais a inércia do titular da pretensão, são suficientes para ter como prescrita ação, ficando o credor ou o poder estatal sem chance de punir o infrator.


Essa regra geral, contudo, quando em sua aplicação pratica resultar em resultados, inconvenientes e injustiças, própria teoria da actio nata aceita sua aplicação em seu viés subjetivo. Nos processos administrativos disciplinares o Estado , salvo raras exceções, adotam essa vertente a teoria da actio nata. Isto é, a contagem do dia do início da prescrição já não será mais do dia da ocorrência do fato, mas o dia em que a autoridade competente toma conhecimento do fato. O dilema de difícil desate é que a lei não diz quais são os critérios seguros para que dele tome conhecimento a autoridade, ficando tal questão a critério subjetivo desta autoridade, o que tem causado condenações até 50 anos depois da ocorrência do fato ou a perda de aposentarias após o servidor já contar com anos de inatividade fora da repartição pública.

A esse proposito o Ministro Marco Aurélio Bellizze, do STJ, no RESP. 1837.425, julgado em 13 de junho de 2023, afirma que: “O viés subjetivo da teoria da actio nata deve ser admitido com muita cautela, em situações excepcionalíssimas, somente quando as circunstâncias demonstrem que o titular do direito violado não detém nenhuma possibilidade de exercitar sua pretensão, justamente por não se evidenciar nenhum comportamento negligente de sua parte.”

A teoria da actio nata em sua vertente subjetiva estabelece que é responsabilidade da vítima comprovar as circunstâncias excepcionais a impediram de tomar conhecimento da lesão ou do dia de sua ocorrência. Somente a partir do dia seguinte ao conhecimento do fato lesivo é que o prazo prescricional começa a contar, tendo essa vertente sido adotada nos REsps 1711.581-PR e 1698.732-MG.

Ao se aplicar a teoria da actio nata em seu viés subjetivo, é importante ressaltar que, por ser uma medida excepcional, cabe àquele que alega que não tomou conhecimento do dia da ocorrência do fato, mas somente quando este chegou ao seu conhecimento, o ônus de provar a causa impeditiva ou impossibilidade de saber do dia de que o fato ocorreu. Em tais situações, não é razoável admitir que a mera alegação de conhecimento tardio por parte do Órgão Julgador seja suficiente para substituir o termo inicial estipulado por lei para a contagem do prazo prescricional como sendo o dia da ocorrência do fato.

É importante ressaltar que “o marco inicial da contagem da prescrição não pode depender exclusivamente da vontade da Administração, uma vez que isso contraria o princípio da segurança jurídica”, a que visa preservar. Consequentemente, em conformidade com o entendimento exposto, o agravo regimental foi negado, conforme consta no julgamento do AREsp 45.439/MT, relatado pelo Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, da Quarta Turma, em 20/10/2011.

Deste modo, aceita-se que a seleção do dia que começa a correr a fluência da prescrição não fique ao alvedrio do da vítima da lesão ou infração a comando legal, a menos que faça a prova daquelas condições excepcionais que vez provadas afastam o dia da ocorrência do fato como início do curso da prescrição.

Os agentes delegados (Cartorários) e os servidores públicos em geral, detentores de cargos efetivos ou equiparados, submetem-se ao regime disciplinar pelas infrações que cometerem no exercício da função. Em geral, tanto a legislação federal quanto a dos Estados-membros estabelecem que o início da contagem do prazo prescricional somente ocorre quando a autoridade competente toma conhecimento da infração disciplinar. Essa regra se aplica mesmo nos casos em que não há nenhuma excepcionalidade que justifique a impossibilidade do conhecimento prévio da lesão, não havendo um critério seguro para determinar quando e como o conhecimento efetivo da lesão deve chegar ao conhecimento da autoridade competente, criando o círculo vicioso em que aquilo que visa combater acaba ele própria criando insegurança jurídica e casos de imprescritibidade fora dos parâmetros da lei.

Em função da injusta que o critério traz há mais de uma década, nos rebelamos firmemente contra a posição majoritária, por acha-la injusta e desarrazoada uma vez que, frequentemente, nos deparamos com casos de apuração e condenação de servidores, agentes delegados (Cartorários), inclusive, alguns já aposentados, mesmo tendo passado intervalo de até 50 anos a partir da data da ocorrência do fato. A adoção desse critério acaba por gerar mais insegurança jurídica com o desvirtuamento da finalidade que instituto da prescrição visou alcançar, qual seja, a paz social. A finalidade do sistema disciplinar é promover a observância dos princípios éticos e morais da Administração Pública, garantindo-se a qualidade do serviço público. No entanto, ao permitir que infrações disciplinares sejam investigadas e punidas mesmo após um longo período decorridos, sem considerar a prescrição, acaba-se por desviar-se do propósito inicial. A insegurança jurídica gerada afeta tanto os servidores quanto a própria confiança da sociedade na administração pública e a frustração do servidor que depois de anos decorrido, acreditando no perdão tácito da Administração Pública, se vê na iminência de perda do cargo público e da própria aposentadoria.

Em outras palavras, a ausência de critérios claros na lei para determinar quando a autoridade competente toma conhecimento do fato acaba deixando essa decisão a critério subjetivo da autoridade encarregada da punição disciplinar, permitindo que essa autoridade decida quando deseja tomar conhecimento do fato ou colega de trabalho ao saber do fato aguarde o melhor momento para denunciá-lo ao superior hierárquico. Isso cria uma lacuna que pode ser explorada, por exemplo, pelas Corregedorias Estaduais e pelo próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que realizam correições periódicas e muitas vezes deixam passar fatos graves e infrações disciplinares as quais somente serão descoberta bem mais tarde, quando o ambiente já não é mais o mesmo. Anos mais tarde, essas autoridades voltam ao mesmo caminho, alegando que não tinha conhecimento dos fatos e, assim, punem o servidor ou agente delegado do serviço público. Essa situação ocorre simplesmente porque a autoridade competente não se preocupou em tomar conhecimento dos fatos ou foi negligente ao não analisar minuciosamente os livros e documentos durante as correições e inspeções.

Não há, portando, um critérios objetivos, permitindo uma interpretação subjetiva da lei que acaba gerando uma situação extremamente injusta. Os servidores e agentes delegados do serviço público podem ser responsabilizados anos depois de uma suposta infração, mesmo que a autoridade competente tenha tido a oportunidade de tomar conhecimento do fato durante as correições, mas não tomou as medidas legais, já que não há consequências legais contra tal esquecimento.

A preocupação com os critérios subjetivos da lei, capazes de propiciar a ocorrência de injustiças e absurdos, levamos ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em duas oportunidades, abraçou a tese de que a prescrição de que, ao reverso da prescrição contada do dia do conhecimento do fato pela autoridade competente, melhor se harmoniza com a natureza do processo administrativo disciplinar ter a contagem como sendo a data do fato. Neste caso, passando os prazos sem movimentação da Administração, aliás, bastante prolongados, a incidência da prescrição é medida inexorável, excetuando-se somente os casos em que haja a prova de que o servidor ou agente delegado (Cartorário), tenha camuflado ou dificultado os meio disponíveis para que a autoridade competente através de rotinas normais tome conhecimento do fato.

Essa posição já adotada pelo STJ busca trazer uma maior segurança jurídica para o processo administrativo disciplinar, estabelecendo que a prescrição disciplinar tem como marco inicial a data em que ocorreu o fato, conforme o legislador vem dispondo nas legislações modernas, à exemplo, a Lei de Improbidade Administrativa, que, não obstante a gravidade dos atos de improbidade deixou certo que a prescrição inicia-se no dia da ocorrência do fato, portanto, da lesão do direito da Administração pautar-se pela lisura, sancionando os infratores.

É imprescindível, nesta oportunidade agregar a relevante contribuição do Professor CAIO TÁCITO, que já em 1961, por meio de um Parecer encaminhado ao antigo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), defendeu que o prazo de prescrição no Processo Administrativo Disciplinar deve ter início no dia da ocorrência do fato, exceto nos casos em que o servidor público, por algum meio, dissimula a descoberta do fato ou quando sua descoberta é impossível naquele momento.

A análise e o posicionamento do Professor CAIO TÁCITO3 contribui com sólidos fundamentos para a discussão sobre a contagem do prazo prescricional no âmbito do Processo Administrativo Disciplinar. Sua abordagem, respaldada na longa experiência de professor e Procurador do antigo DASP, é estabelecida na linha do que se vem expondo, com base em critérios mais razoáveis e seguros para determinar o início da contagem do prazo prescricional, pondo termo a incerteza reinante atualmente na jurisprudência acerca das punições disciplinares.

Se as circunstâncias fáticas levarem à violação do dever funcional de forma encoberta, ocultando-se do conhecimento normal da administração, não se configura a inércia no uso do poder disciplinar, que caracterizaria a prescrição. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que “a regra é a prescritibilidade”. Ou seja, entende-se que, na ausência de um prazo prescricional estabelecido pela lei, a prescrição administrativa deve ocorrer em um período de cinco anos, seguindo o modelo da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública.

Em conclusão, com base no melhor e mais seguro critério objetivo adotado pela teoria da actio nata, entendemos que é mais razoável e harmônico com os princípios da legalidade, segurança jurídica, dignidade da pessoa humana e fins sociais a que se dirige a norma jurídica adotar-se a corrente subjetivista segundo a qual, no Processo Administrativo Disciplinar contra servidores e ou os agentes delegados do serviço público, o início da prescrição ocorre no dia do fato, seguindo a mesma lógica do Direito Penal e da Lei de Improbidade Administrativa, e não no dia em que a autoridade competente toma conhecimento dele (fato), exceto nos casos em que havido a ocultação para que não se tome conhecimento do dia em que ocorreu a lesão, actio nata na sua dimensão objetiva.

Caso contrário, estaríamos criando situações de imprescritibilidade de pretensões fora das hipóteses legais, uma vez que a legislação não fornece critérios seguros para determinar quando a autoridade competente deva tomar conhecimento do fato e às partes não é dado criar pela interpretação, prazos de imprescritibilidades contrários as finalidades da lei. Adotar esse entendimento garantiria uma maior segurança jurídica, ao estabelecer um critério objetivo para a contagem do prazo prescricional no processo administrativo disciplinar. Além disso, evitaria situações em que o servidor ou agente delegado fiquem sujeitos indefinidamente a sanções disciplinares devido à ausência de critérios claros para a ciência da autoridade competente.

Portanto, ao adotar essa perspectiva, surgem questionamentos relevantes: Será que a contagem do prazo prescricional a partir do conhecimento da autoridade competente é realmente justa e coerente com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico? Seria razoável manter servidores e agentes delegados perpetuamente sujeitos a sanções disciplinares por fatos ocorridos há muito tempo, mesmo na ausência de critérios claros para a ciência da autoridade? E como conciliar a necessidade de punição das infrações disciplinares com a garantia dos direitos fundamentais dos servidores e agentes delegados?

Esses questionamentos colocam em destaque a importância de buscar um equilíbrio entre a efetividade do poder disciplinar e a segurança jurídica dos envolvidos. Nesse sentido, a adoção do início da prescrição a partir do dia do fato, exceto em casos de má-fé do servidor, pode oferecer uma solução mais adequada, respeitando os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana e dos fins sociais da norma jurídica.

Tais reflexões, é o ponto de partida para fundamentalmente avaliarmos criticamente com uma abordagem da prescrição administrativa nos processos disciplinares que realmente atenda aos princípios e valores que regem nosso ordenamento jurídico, abrindo espaço para uma interpretação mais equilibrada que harmonize a necessidade de punição com a proteção dos direitos fundamentais dos servidores e agentes delegados do serviço público em ter as faltas disciplinares sanda dentro de uma duração razoável do processo.

Você deve gostar

O que há de novo
Ver mais
testeVisit Us On LinkedinVisit Us On InstagramVisit Us On FacebookVisit Us On Youtube