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Artigo: A LGPD e o princípio da publicidade no registro de imóveis sob o viés do Provimento n. 23/2020 da CGJ – Por Ednilson Eliézer Souza Costa

O presente artigo tem por finalidade um breve estudo sobre a aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados no âmbito do registro de imóveis, contraposto ao princípio da publicidade, objetivando uma reflexão sobre os institutos, de modo a incentivar debates sobre os temas, tendo como marco o Provimento 23/2020 da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo.

Um dos princípios norteadores para o registro de imóveis brasileiro é o princípio da publicidade, que, nas palavras de Vitor Frederico Kümpel:

 “[…] significa disponibilizar, para pessoas físicas e jurídicas, informações constantes do acervo registral, podendo qualquer interessado, independentemente de motivação (exceto nas hipóteses legais), ter acesso a tais informações, por meio de certidões ou, ainda, por informações prestadas pelas serventias”[1].

O princípio da publicidade está intimamente ligado ao sistema de aquisição de imóveis no Brasil, na medida em que o Código Civil dispõe que a propriedade imóvel se transfere por ato entre vivos mediante o registro no cartório competente ou, traduzido no jargão “só é dono quem registra”. Ocorre que, com o registro ou averbação, há a publicidade não apenas do ato, mas também de uma série de dados dos envolvidos como, por exemplo, em uma compra e venda, via de regra, há a publicização do nome completo, CPF/MF, RG, estado civil e domicílio dos agentes, dentre outros, em atenção ao disposto no art. 176 da Lei 6.015/73.

Por outro lado, a inovação jurídica, consolidada na Lei 13.709/2018 – conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados ou simplesmente LGPD – inspirada no Regulamento da União Europeia “GDPR” (General Data Protection Regulation, em tradução livre, Regulamento Geral de Proteção de Dados), trouxe disposições sobre o tratamento e a proteção de dados pessoais, considerado o “novo petróleo” devido ao seu potencial valor de mercado. É neste sentido que leciona Tarcisio Teixeira e Ruth Maria Guerreiro da Fonseca Armelin:

“Os dados pessoais possuem alto valor de mercado, na medida em que através deles são direcionados produtos e serviços customizados, com a coleta de grande volume de dados e, por isso, são considerados o “novo petróleo” da sociedade informacional, já que o dado “bruto” não possue valor, mas ao ser “refinado” passa a ser altamente rentável.

Há doutrinadores que contestam a afirmação do dado ser o novo petróleo por diferentes motivos. Fato é que os dados são a base de um gigantesco mercado, uma vez que através dele é possível identificar perfis de consumo, potencialidades de mercado, além de inúmeras outras possibilidades altamente lucrativas, sejam lícitas ou ilícitas.”[2]

Afinal, quem nunca, ao acessar uma plataforma digital, ou até mesmo em contratos físicos de adesão, inseriu seus dados pessoais e assinalou no sentido favorável aos “termos de uso/serviço” da plataforma ou estabelecimento sem ao menos ler o que estava assinando? Ocorre que, às vezes, seus dados podem ser utilizados de forma a te manipular [3] . Pois é neste contexto que surge a norma, com a finalidade de proteger a privacidade do titular, que poderia ser afetada caso não fossem estabelecidos alguns limites.[4]

Ademais, antes de entrar propriamente no assunto, insta preliminarmente distinguir alguns pontos que podem gerar controvérsia ao intérprete. Pois bem, ao tratar sobre o tema “proteção de dados”, cogente que o agente saiba com qual classe está atuando, se dado pessoal ou dado pessoal sensível. Entende-se por dado pessoal aquela informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável (art. 5º, I, LGPD), comumente presentes nas matrículas e transcrições, ao passo que será considerado dado pessoal sensível aqueles sobre a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural (art. 5º, II, LGPD). Cumpre ainda salientar que proteção é diferente do sigilo. Entende-se por proteção de dados “a possibilidade de cada cidadão determinar de forma autônoma a utilização que é feita de seus próprios dados pessoais, em conjunto com o estabelecimento de uma série de garantias para evitar que estes dados pessoais sejam utilizados de forma a causar discriminação, ou danos de qualquer espécie, ao cidadão ou à coletividade.”[5] ao passo que sigilo, via de regra, implica sua total ocultação. O exemplo mais conhecido de sigilo nos Registros Públicos é o da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais, sendo certo que o art. 5º do Provimento 73 do CNJ dispõe que as alterações terão natureza sigilosa, razão pela qual a informação a seu respeito não poderá constar nas certidões, salvo por solicitação do requerente ou determinação judicial, na forma da norma.

No âmbito extrajudicial, há diversos exemplos de compartilhamentos de dados entre a serventia e o Poder Público, seja através de ofícios, centrais eletrônicas etc. Recente exemplo e, de certa forma “polêmico”, é o compartilhamento de dados instituído pelo Provimento 88/2019 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que tem a finalidade de prevenção de atividades de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo (art. 1º). Com ele, o Titular da Serventia está obrigado a comunicar o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), nos casos em que haja indícios de tais atos, presentes os indicativos tratados no provimento.

Feita as devidas ponderações, há de se ressaltar que no início das discussões a respeito da instituição da lei, houve diversos questionamentos a respeito da aplicabilidade (ou não) da LGPD aos cartórios bem como sua extensão, posto que um dos princípios basilares às instituições extrajudiciais seria o princípio da publicidade que, aparentemente, ia em sentido diametralmente oposto ao da lei.

Quanto a aplicabilidade, restou consagrado o cabimento, na medida em que o §4º do art. 23 da lei dispõe que os serviços notariais e de registro terão o mesmo tratamento dispensado às pessoas jurídicas referidas no caput do artigo. A bem da verdade é que, principalmente as serventias extrajudiciais – em especial os Registros de Imóveis – deveriam submeter-se ao regimento legal, tendo em vista o caráter de perpetuidade no tratamento de dados, pois desde o momento da prenotação do título e, inclusive, após a sua “retirada” do cartório, os dados são armazenados e tratados. Cita-se como exemplo o caso em que o comprador registra o imóvel e, passados anos de sua efetivação, ele ou terceiro interessado, solicite informações sobre o ato jurídico convencionado à época. Como cediço, terá acesso ao necessário, via certidão ou simples informação, independentemente do transcurso do tempo.

Quanto à extensão, não há ainda um consenso quanto à aplicabilidade bem como eventuais mitigações que porventura o princípio da publicidade ou a própria LGPD possa vir a sofrer no âmbito registral, posto que o CNJ, até a presente data, queda-se inerte quanto ao assunto, dispondo apenas sobre os padrões mínimos de tecnologia da informação para a segurança, integridade e disponibilidade de dados para a continuidade dos serviços notariais e de registro, conforme Provimento 74/2018.

Em busca de solucionar eventuais antinomias e a fim de dar um parâmetro a questão, a CGJ/SP editou o provimento 23/2020, traçando normas de caráter cogente aos Notários e Registradores no que concerne ao tratamento de dados (sem, contudo, entrar propriamente no mérito de eventuais restrições), as quais destacam-se os pontos relevantes para o cerne do estudo.

Dispõe o provimento no item 130.1 que:

130.1 Consideram-se inerentes ao exercício dos ofícios os atos praticados nos livros mantidos por força de previsão nas legislações específicas, incluídos os atos de inscrição, transcrição, registro, averbação, anotação, escrituração de livros de notas, reconhecimento de firmas, autenticação de documentos; as comunicações para unidades distintas, visando as anotações nos livros e atos nelas mantidos; os atos praticados para a escrituração de livros previstos em normas administrativas; as informações e certidões; os atos de comunicação e informação para órgãos públicos e para centrais de serviços eletrônicos compartilhados que decorrerem de previsão legal ou normativa.[6]

Na esteira do raciocínio, o provimento ainda dispõe que o tratamento de dados pessoais destinados à prática dos atos inerentes ao exercício dos ofícios, no cumprimento de obrigação legal ou normativa, independe de autorização específica da pessoa natural que deles for titular (item 131), sendo assegurado livre acesso a seus dados pessoais, mediante consulta facilitada e gratuita (item 142).

No tocante à expedição de certidões, o provimento inovou prevendo que para o acesso às informações restritas ao que constar nos indicadores e índices pessoais, bem como as solicitações formuladas em bloco, relativas a registros do mesmo titular ou a titulares distintos, poderá ser exigido o fornecimento, por escrito, da identificação do solicitante e da finalidade da informação requerida, quando as circunstâncias indicarem a finalidade de tratamento de dados pessoais, podendo ser negado, por meio de nota fundamentada, conforme os itens 144, 144.1 e 144.2. da norma; dando ao oficial registrador uma certa margem de “discricionariedade”, quanto a publicização de dados.

Por derradeiro, em que pese toda a contribuição dos cartórios para com a sociedade e tendo em vista a ausência de normativa específica quanto ao assunto, espera-se dos oficiais seriedade frente aos novos desafios do mundo moderno, incorporando novas técnicas e princípios às serventias, harmonizando ambos os institutos, aparentemente antagônicos, a fim de que seja conferida máxima proteção aos titulares dos dados pessoais, proporcionando ainda mais confiabilidade aos registros públicos.

Fonte: Jus

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