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A mediação e o provimento CNJ 67/18

Em 26 de março de 2018, o CNJ, por meio do provimento 67, regulamentou os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro. Após o advento da Constituição de 1988, diversos novos direitos foram criados, principalmente, na área dos direitos sociais, como por exemplo, o direito à educação, à moradia, à…

Em 26 de março de 2018, o CNJ, por meio do provimento 67, regulamentou os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro.

Após o advento da Constituição de 1988, diversos novos direitos foram criados, principalmente, na área dos direitos sociais, como por exemplo, o direito à educação, à moradia, à saúde, à alimentação, à segurança, o direito do idoso, da criança, da pessoa com deficiência, entre tantos outros, ao mesmo tempo, que o nosso texto constitucional prevê a inafastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça a direito.

Isso tudo fez com que o número de ações em trâmite nos nossos tribunais aumentasse exponencialmente, deixando o Poder Judiciário sem condições de atender de forma eficaz a todas as demandas.

Diante desse fato, o governo Federal iniciou um movimento que chamamos de desjudicialização, modernamente, já chamado de compartilhamento da justiça, posto que, na verdade, não se trata de uma subtração, mas sim, de um compartilhamento com o Poder Judiciário da responsabilidade pelo esse número estratosférico de ações judiciais, transferindo-se determinadas questões que não envolvem litigiosidade, ou seja, de jurisdição voluntária, para os serviços extrajudiciais. Como exemplo dessa tendência, temos o reconhecimento da paternidade diretamente nos registros civis (lei 8.560/92), o reconhecimento de filiação homoparental (provimento CNJ 52/16), e também, o da filiação socioafetiva, com o provimento CNJ 63/17, que revogou o provimento CNJ 52/16, o processamento do inventário, do divórcio e da separação extrajudiciais, diretamente nos Ofícios de Notas (lei 11.441/07 e resolução CNJ 35/07), o reconhecimento da usucapião extrajudicial, diretamente no registro de imóveis (art. 1.071, do CPC e provimento CNJ 65/17).

Com esse mesmo objetivo foram editadas, igualmente, a Lei da Arbitragem (lei 9.307/96) e a Lei da Mediação (lei 13.140/15), ou seja, como forma de desafogar o Poder Judiciário.

A mediação e a atividade notarial e de registro

Antes de adentrarmos ao nosso tema que é a mediação e os cartórios, é de suma importância que estabeleçamos a diferença entre mediação judicial e a mediação extrajudicial, para que possamos entender que tipo de mediação os cartórios poderão realizar.

Existem inúmeras diferenças entre a mediação judicial e a extrajudicial (www.cartorio15.com.br/centro de estudos/quadro sinótico das diferenças entre a mediação judicial e a extrajudicial), a começar que a mediação judicial, após o advento do novo CPC, no art. 334, passou a ser obrigatória, ou seja, proposta a ação, o réu não mais será citado para oferecer defesa, mas sim, para participar de uma audiência de conciliação ou de mediação. Além de ser obrigatória, a mediação judicial se desenvolve no âmbito de um processo judicial.

Além disso, para ser tornar um mediador judicial, deverão ser preenchidos requisitos mais rigorosos do que para se tornar um mediador extrajudicial.

Então, para ficar claro – a mediação que poderá ser realizada nos cartórios é a mediação extrajudicial -, é o que está explícito no art. 42, da lei 13.140/15, “aplica-se esta lei, no que couber, às outras formas consensuais de resolução de conflitos, tais como mediações comunitárias e escolares, e àquelas levadas a efeito nas serventias extrajudiciais, desde que no âmbito de suas competências”.

Não resta dúvida, portanto, que os cartórios poderão realizar dentro das suas Serventias sessões de mediação, obviamente, atendendo a todas as exigências contidas na aludida Lei de Mediação.

Aliás, qualquer pessoa, que seja capaz, que tenha confiança das partes e que tenha sido capacitada para conduzir uma mediação, poderá ser mediador extrajudicial, ou seja, a lei quis ser o mais abrangente possível, passando a seguinte mensagem: o fundamental é conseguir, por meio da mediação, resgatar o fluxo de comunicação entre as partes e quem sabe se chegar a um acordo, não importando quem seja o mediador.

A Lei de Arbitragem (lei 9.307/96) caminhou em idêntico sentido, basta lermos o art. 13 da aludida lei:

“Art. 13 – Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes”.

No entanto, os cartórios ficaram até março de 2018 impedidos de realizar mediação por determinação do CNJ, proferida nos autos de uma consulta formulada por um Tabelião.

De acordo com a Decisão Terminativa de junho de 2017, enquanto não houvesse ato normativo editado pelo CNJ a regulamentar a matéria, estaria vedada a realização da atividade de conciliação ou mediação pelas autoridades cartorárias no âmbito extrajudicial.

Em 26 de março de 2018, o CNJ, por meio do provimento 67, regulamentou os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro.

Da dificuldade de implementação da mediação nos serviços notariais e de registro

Como vimos no capítulo acima, os serviços notariais e de registro prestarão o serviço de mediação, facultativamente, vide art. 2º, do provimento CNJ 67/18.

Não resta dúvida, que a mediação, caso seja realizada em um Tabelionato ou Registro, será uma mediação extrajudicial.

A lei 13.140/15, Lei da Mediação, sob a minha ótica, teve como escopo lançar a devida luz sobre esse já não mais tão novo método de solução de conflito – a mediação -, e explicitá-lo para toda a população, tanto é, que, reitere-se, no seu art. 9º, estabelece que qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, poderá ser um mediador.

A supracitada lei não condicionou a implementação da mediação a qualquer tipo de certificado, ao número de horas de prática e, tampouco, a autorização especial de algum órgão. Foi extremamente abrangente, de forma propositada.

No entanto, o provimento CNJ 67/18 determinou o cumprimento de diversas obrigações para que o serviço notarial ou de registro pudesse prestar o serviço de mediação ou de conciliação, impondo ao Tabelionato e ao escrevente as mesmas regras para se tornar um mediador judicial, que, como já foi dito anteriormente, são bem mais rígidas e complexas.

Então, vejamos:

a) O serviço notarial e de registro deverá iniciar um processo para obter autorização para prestar esses serviços perante o NUPEMEC e CGJ;

b) Poderá designar no máximo 5 (cinco) escreventes;

c) O escrevente para ser mediador ou conciliador deverá ser certificado, de acordo com o provimento CNJ 125/10, Anexo I, com a redação dada pela emenda 2/16 (que trata da mediação judicial), ou seja, ele terá que demonstrar que participou de 40hs/aula (teórica) + 100 horas de estágio, sendo que para que ele tenha o certificado terá que comprovar 100% (cem por cento) de frequência no módulo teórico;

d) Além disso, o escrevente terá que, a cada 2 (dois) anos, comprovar curso de aperfeiçoamento;

e) Os procedimentos de conciliação e de mediação nos Tabelionatos terão dupla fiscalização, uma pela Corregedoria Geral de Justiça e outra pelo juiz coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC);

f) Fora isso, tanto a lei 13.140/15, no seu art. 42, como o provimento CNJ 67/18, em seu art. 13, determinam que o serviço notarial e de registro só poderá prestar o serviço dentro do âmbito da sua competência. Entendo que essas determinações tornarão a prestação do serviço muito confusa, haja vista que as competências por vezes podem gerar dúvidas;

g) Outra grande dificuldade será a cobrança do serviço. Nos termos do provimento CNJ 67/18, o preço (emolumento) do serviço será o de uma escritura declaratória sem valor econômico, se a sessão de mediação durar até 60 (sessenta) minutos. No Rio de Janeiro o valor da escritura declaratória sem valor econômico é de R$ 215,46, sendo que desse valor, apenas 26% pertence ao Tabelionato, o restante dessa importância corresponde aos tributos que deverão ser recolhidos;

h) E, por fim, caso a sessão exceda os 60 (sessenta) minutos, será cobrada pelo tempo excedido, proporcionalmente. Como vamos fiscalizar esse tempo excedido? Sob que rubrica esse tempo excedido será considerado e cobrado, posto que não existe esse ato notarial? Cabe lembrar que apenas na hipótese de a mediação lograr êxito e ser celebrado um acordo é que este será formalizado por meio de uma escritura declaratória sem valor econômico. Apenas neste caso, teremos como fiscalizar e recolher os tributos devidos.

Mediação: uma questão cultural

Apesar de todos os esforços do governo no sentido de promover outros métodos de solução e de prevenção de conflitos, com vistas a uma participação mais colaborativa de todos os envolvidos, abandonando-se aquela mentalidade adversarial, temos que admitir que essa tarefa não é das mais fáceis.

Qualquer mudança cultural é algo bem mais complexo que possa, a princípio, parecer.

E de que forma nós, tabeliães, advogados e operadores do direito, podemos ajudar para que haja essa mudança?

Entendo que uma forma bem simples de se promover essa mudança cultural, seria a inserção nos contratos de trato sucessivo ou continuado, de cláusula prevendo a mediação prévia.

Por exemplo, em uma escritura de união estável, no pacto antenupcial, na promessa de compra e venda, no contrato de locação, em que houvesse a cláusula de mediação prévia, a parte, pelo menos a priori, em caso de desentendimento, não poderia ingressar com pedido ao Poder Judiciário, sem antes tentar a mediação, criando-se, dessa forma, uma nova condição específica para o regular exercício do direito de ação.

Vale ressaltar que se houver no contrato cláusula prevendo a mediação prévia e a outra parte não comparecer, tal fato acarretará para a parte faltosa a assunção de 50% das custas e honorários sucumbenciais, caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, vide art. 22, da lei 13.140/15.

A ideia seria que a mediação não fosse mais uma forma alternativa de solução de conflitos, mas sim, uma forma convencional de solução de conflitos, devendo a busca pelo Poder Judiciário, tornar-se a forma alternativa e derradeira.

No entanto, o já mencionado provimento CNJ 67/18, no seu art. 40, proibiu que os serviços notariais e de registro estabeleçam em documentos por eles expedidos, cláusula compromissória.

Esse supracitado artigo, contém dois problemas de ordem técnica. A primeira diz respeito ao termo utilizado, cláusula compromissória, que é o termo utilizado pela Lei de Arbitragem (lei 9.307/96, art. 9º), quando deveria ser cláusula de mediação prévia. O segundo problema é no tocante à abrangência da aludida cláusula: i) o Tabelionato não poderia estabelecer cláusula de mediação prévia elegendo como mediador o próprio Serviço Notarial ou estaria, definitivamente, vedado de estabelecer a cláusula de mediação prévia para qualquer Câmara, Centro ou pessoa?

Com isso, entendo que perdemos uma excelente oportunidade de promover essa tão almejada mudança cultural.

Como seria a mediação nos tabelionatos?

No que tange ao procedimento de mediação propriamente dito, ou seja, como se desenvolverá a mediação em um Tabelionato, entendo que a regra quanto ao esse procedimento é única e está detalhada na lei 13.140/15 e no provimento CNJ 67/18.

Frise-se que, no que se refere à necessidade de confidencialidade do procedimento, nós, tabeliães, já temos essa obrigação no nosso DNA e, também, expressa no inciso VI, do art. 30, da lei 8.935/94 (lei que regula a atividade notarial e de registro).

Faz-se premente, ainda, dizermos que o documento expedido pelo Tabelionato é e sempre será um documento público, valendo como título executivo extrajudicial, nos termos do inciso II, do art. 784, do CPC.

Sob a minha ótica, equivocou-se o referido provimento CNJ 67/18, no seu art. 22, em dois pontos: (i) o inciso IV, do art. 784, do CPC, trata da mediação obtida judicialmente (que inclusive não exige as duas testemunhas para se tornar um título executivo extrajudicial; (ii) os documentos expedidos pelos Tabelionatos são documentos públicos e não como exposto no parágrafo único, do art. 22, do citado Provimento, considerado documento público.

O documento público, já pela própria essência, permite que a sua ciência seja franqueada a todos.

De que forma conciliar, então, a questão da confidencialidade, ínsita nas mediações, com a publicidade dos documentos expedidos pelos Tabelionatos?

A minha sugestão seria estabelecer um cerceamento a essa publicidade.

Diversos estados da nossa Federação já determinam esse cerceamento da publicidade do ato notarial na expedição de certidões dos testamentos públicos. Então, vejamos o que diz o art. 369-A da Consolidação Normativa da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – parte extrajudicial:

“Art. 369-A – O fornecimento de certidões ou informações de testamento somente se dará com a comprovação do óbito do testador. Enquanto vivo o testador, só a este, ou a procurador com poderes especiais, poderá ser fornecida certidão ou informação de testamento.

(Artigo incluído pelo provimento CGJ 27/16, publicado no D.J.E.R.J. de 25/05/2016)”.

Outra oportunidade importante que perdemos está prevista no §1º, do art. 21 e do art. 25, ambos do já mencionado Provimento, que dizem o que se segue adiante:

“§1º – Na data e hora designados para a realização da sessão de conciliação ou de mediação, realizado o chamamento nominal das partes e constatado o não comparecimento de qualquer delas, o requerimento será arquivado”.

“Art. 25 – Em caso de não obtenção do acordo ou de desistência do requerimento antes da sessão de conciliação ou de mediação, o procedimento será arquivado pelo serviço notarial ou de registro, que anotará essa circunstância no livro de conciliação e de mediação”.

Entendo que nas hipóteses de não comparecimento e de desistência, não deveríamos simplesmente arquivar o procedimento. Melhor seria lavrar uma ata notarial certificando esses fatos, posto que, essa ata notarial poderia ser apresentada em uma futura ação judicial, na qual o autor poderia requerer na petição inicial a dispensa da mediação ou da conciliação judicial, prevista no art. 334, do CPC, por entender desnecessária uma nova mediação.

Novidades para os livros notariais

O provimento CNJ 67/18 criou mais duas espécies de Livros Notariais: a) o livro de protocolo de conciliação e de mediação; b) o livro de conciliação e de mediação.

E, mais uma vez, inovando, o CNJ determinou que os supracitados livros tenham 300 (trezentas) folhas, ao invés, de 200 (duzentas) folhas, como já é praticado há décadas por todos os Ofícios de Notas, pelo menos, no Estado do Rio de Janeiro.

Quais seriam as vantagens de se procurar um cartório para realizar uma mediação?

A grande vantagem de se procurar um Tabelionato para fazer uma mediação é que os atos praticados pelas Serventias Extrajudiciais (Cartórios) são escrituras públicas, conferindo, indubitavelmente, maior segurança jurídica aos atos.

Como já dito anteriormente, se houver acordo total ou parcial, será lavrada uma escritura de acordo. Caso a outra parte descumpra o acordo, esta escritura valerá como título executivo extrajudicial e não precisará de duas testemunhas, vide inciso II, do art. 784, do CPC e art. 20, da Lei de Mediação.

Por exemplo, se você procurar por um Centro de Mediação Comunitário, o documento do acordo terá que ser subscrito por duas testemunhas, para que valha como título executivo extrajudicial, vide inciso III, do art. 784, do CPC.

O documento público é dotado de fé pública. E o que isso quer dizer? Quer dizer que faz prova plena e se presumem verdadeiros os fatos ali narrados, vide art. 215 do CC e inciso II, do art. 19 da Constituição da República.

Outra vantagem do documento público é que, caso você o perca, ou sofra o mesmo alguma deterioração, basta dirigir-se ao Cartório em que o documento foi feito e pedir uma nova certidão. Essa nova certidão tem o mesmo efeito do original, vide inciso II, do art. 425, do CPC.

E, por fim, vale ressaltar que a capilaridade dos serviços notariais e de registro é inegável (imobiliário, civil de pessoas naturais e jurídicas, de títulos e documentos, de distribuição). Há tabelionatos e registros em todo Brasil, facilitando, sobremaneira, a difusão dessa prestação de serviço.

Quanto custa uma mediação em um tabelionato

Da inexequibilidade da cobrança

De acordo com o aludido provimento CNJ 67/18, o valor cobrado pela mediação seria o de uma escritura sem valor econômico. Isso significa no Estado do Rio de Janeiro, o valor de R$ 215,46, para uma sessão de até 60 (sessenta) minutos, vide caput do art. 36, do referido Provimento.

Caso se exceda o período de 60 (sessenta) minutos, serão cobrados emolumentos proporcionais ao tempo excedido, por força do disposto no §2º, do art. 36 do já citado provimento.

Creio que tal forma de cobrança, no estilo norte-americano time sheet, estabelecida pelo CNJ, criará extrema dificuldade para os Tabeliães e Registradores que optarem por essa prestação de serviço. De que forma vamos controlar esse tempo excedido? Ou melhor, a que título cobraremos esse ato notarial, posto que, ao final, o único ato notarial a ser praticado, partindo do pressuposto de que a mediação foi um sucesso e foi celebrado acordo, será a lavratura de uma escritura sem valor econômico e a expedição do seu respectivo traslado?

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*Fernanda Leitão é tabeliã no 15º Ofício de Notas da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte: Migalhas

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