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Artigo: A ata notarial como título registrável na matrícula do imóvel – Quais são seus limites? – Por José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves

Como é sabido, a lei do marco legal das garantias introduziu inúmeras alterações no ordenamento jurídico, notadamente na seara notarial e registral. O presente artigo retrata a ata notarial de certificação incluída pela lei 14.711, de 30/10/23, nos termos do art. 7º-A da lei 8.935/94:

“Art. 7º-A Aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras atividades: I – certificar o implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto;(…). Já o § 2º: “O tabelião de notas lavrará, a pedido das partes, ata notarial para constatar a verificação da ocorrência ou da frustração das condições negociais aplicáveis e certificará o repasse dos valores devidos e a eficácia ou a rescisão do negócio celebrado, o que, quando aplicável, constituirá título para fins do art. 221 da lei 6.015, de 31/12/73 (lei de registros públicos), respeitada a competência própria dos tabeliães de protesto”.

Com efeito, temos poucos artigos que retratam esta nova espécie de ata notarial, destacando-se dois artigos, publicados no conhecido site Migalhas. 3-4

De fato, ambos artigos enfrentam a possibilidade de cancelamento direto da condição resolutiva por meio da prévia ata notarial elaborada pelo tabelião de notas com a posterior prenotação do ofício de registro de imóveis competente.

Nesse sentido, foi reconhecida expressamente a possibilidade de o Tabelião de Notas, mediante atas notariais, certificar a ocorrência ou a frustração de condições negociais, atestando, ainda, a eficácia do negócio e dos pagamentos, o que, quando necessário, servirá de título para as mutações que se fizerem adequadas junto ao registro de imóveis (art. 221 da lei 6.015, de 31/12/73).

Esta forma de constatação da ocorrência de fatos capazes de acarretar uma rescisão contratual gera uma análise probatória, que impõe ao tabelião certificar-se do inadimplemento, para que possa lavrar e constituir título hábil ao registro, demonstrando-se mais uma vez a opção do legislador pela extrajudicialização (desjudicialização), evitando claramente uma ação judicial para que um juiz apenas declare e revista de fé pública essa ocorrência, como bem ensina o jurista Carlos Elias.

Percebe-se, pois, que é possível evitar inúmeros processos judiciais, na medida em que é possível extrajudicializar completamente esse procedimento, a exemplo do que já ocorre na hipótese recentemente prevista no art. 251-A da lei 6.015/73.

Pois bem, mais uma vez apresentamos um “passo adiante”, mas agora na certificação de uma ineficácia registral. Neste recente caso lavrado pelo coautor Thomas Nosch, ao discutirmos sobre a mudança da roupagem desta ata, chegamos à conclusão de que o Tabelião deverá emitir um juízo de valor, de forma ativa, não simplesmente como um mero observador, como nas demais atas notariais.

E foi nesse contexto, que surgiu a necessidade de cancelamento de uma averbação de cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Assim, na referida ata foi feito um relato de forma objetiva, sendo apresentados os seguintes documentos: 1- testamentos recíprocos de H. d. S. e B. M. S.; 2- escritura de inventário do espólio de B. e 3- matrícula 100.XXX do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis de XX/SP. DOS TESTAMENTOS: ambos testamentos foram lavrados no XXº Notas da Capital de São Paulo/SP, livro 21XX, páginas 0XX a 0XX e 04X a 04X, aos dias XX/0X/1998, em que basicamente foram feitas as mesmas disposições testamentárias, inclusive gravando com cláusulas restritivas toda a herança dos herdeiros necessários, sem apresentação da está hoje necessária “justa causa”.

Essa disposição era possível no anterior Código Civil (1916), tendo sido inclusive inserido artigo de direito intertemporal no atual Código de 2002, no art. 2.042, que diz: “Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, lei 3.071, de 1º/1/1916; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição”.

O art. 1.848 do Código Civil de 2002 prevê que, salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima. Ou seja, não subsiste essa disposição testamentária restritiva nos testamentos antigos, a menos que seja feito um novo testamento até depois de um ano da vigência do atual Código. Como no caso concreto não foi por aditamento testamentário inserida a “justa causa”, a consequência foi a não subsistência dessa limitação jurídica.

Como se vê, isso foi tão claro, que no citado inventário lavrado na Xª Tabeliã de Notas de XX/SP, de acordo com o processo XX-22.2022.8.26.0XXX que tramitou na 2ª Vara da Família e Sucessões de XX/SP que autorizou a abertura e cumprimento do testamento, para lavratura no extrajudicial, não foi nem sequer preciso mencionar expressamente a declaração de ineficácia das cláusulas.

Há quem defenda uma visão bastante restritiva do uso da ata notarial prevista no artigo 7º-A da lei 8.935/94, como é o caso de Ivan Jacopetti do Lago, que também escreveu no site Migalhas, acima citado.

Todavia, entendemos que os limites não podem ser tão estreitos como aqueles de uma ata notarial tradicional autenticadora de fatos. Hoje temos atas com características diferentes de sua concepção tradicional. Exemplos disso são as atas para a usucapião extrajudicial, a da adjudicação compulsória e mesmo a ata notarial de arrematação na execução extrajudicial da hipoteca, recentemente prevista na lei 14.711/23.

E quais seriam então os novos limites da ata notarial para os fins acima? O limite está na criatividade notarial e registral, desde que não haja prejuízo para a segurança jurídica.

Há casos evidentes, cujos fatos podem ser facilmente provados, de modo que a ata a eles confere a certificação com a fé pública que permite a sua utilização como título no cartório de registro de imóveis, como ocorre nesse caso em que não houve o aditamento do testamento para a declaração da justa causa, para que então os direitos aos bens recebidos pelos herdeiros necessários sofressem as restrições de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Negar a utilidade da ata notarial, como título inscritível no registro de imóveis, por averbação de cancelamento de tais cláusulas restritivas, é algo que vai totalmente na contramão dos numerosos e cada vez mais abrangentes casos de desjudicialização, pois a segurança jurídica que emana da ata deve produzir todos os seus efeitos, inclusive no registro, a exemplo do que já ocorre em várias outras situações.

Em resumo, a via judicial deve ser reservada para os casos de dúvida, de conflito e de litígio. O juiz não deve cuidar do óbvio e nem do que pode ser constatado pelo tabelião e aplicado de pronto pelo registrador, sem qualquer risco de insegurança.


1 OLIVEIRA, Carlos E. Elias. Resolução contratual e a desnecessidade de decisão judicial. 20.11.2023. Disponível aqui.

2 LAGO, Ivan Jacopetti. A ata notarial de constatação do implemento das condições (lei 8.935/1994, art. 7º-A, I) e seu ingresso no registro de imóveis. 18.12.2023. Disponível aqui.

3 Disponível em: 62F8456B964A81_Resolucaocontratualedesnecessi.pdf (migalhas.com.br)

4 Disponível em: A ata notarial de constatação do implemento das condições – Migalhas

Fonte: Migalhas

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