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Artigo: A mediação como ferramenta na resolução de conflitos no âmbito da falência – Por Dídimo Inocência de Paula e Maria Luísa Costa

A compatibilidade entre instrumentos de mediação e conciliação se deve ao seu caráter negocial e revela-se para viabilizar a maximização de êxito e identificar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos às partes envolvidas.

A lei 13.105/15, que instituiu o novo Código de Processo Civil, estabeleceu como uma de suas premissas o incentivo à autocomposição na solução de conflitos, como a mediação e a conciliação. Posteriormente, foi publicada a lei 13.140/15, que trata da mediação nas esferas pública e privada, formando, assim, um microssistema de meios adequados de solução de controvérsias.

Em 2016, a I Jornada “Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios”1 aprovou o enunciado 45, que dispõe: “a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação  judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da  sociedade empresária, bem como em casos de  superendividamento, observadas as restrições legais”.

Nesta esteira, ao apreciar o Pedido de Tutela Provisória 1.049/RJ2, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou no sentido de que a mediação é compatível com os processos de Recuperação Judicial e Falência, oportunidade em que o Relator, Ministro Marco Buzzi, autorizou a realização da mediação do Grupo Oi, em Recuperação Judicial, com seus credores:

“Com efeito, a lei 11.101/05 não traz qualquer vedação à aplicabilidade da instauração do procedimento de mediação no curso de processos de Recuperação Judicial e Falência. 7. Assim, na forma do art. 3º da lei 13.140/15, o qual disciplina que ‘pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação’, não remanesce dúvidas sobre a sua aplicação aos processos de Recuperação Judicial e Falência. 8. Não se perde de vista, contudo, que embora a Lei de Mediação (lei 13.140/15) seja a regra especial do instituto, sua interpretação deve se dar em harmonia com o ordenamento jurídico pátrio e, principalmente, no caso, com a Lei de Recuperação Judicial.”

Acompanhando esse entendimento, o CNJ, através da Recomendação 58/19, buscou promover a aplicação da mediação nos institutos de insolvência, recomendando a todos os magistrados responsáveis pelo processamento e  julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, nos termos da lei 13.105/15 e da lei 13.140/15, o uso da mediação, de forma a  auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros  interessados no processo.

Diante do crescente número de casos concretos, por solicitação das partes envolvidas no processo (recuperandas e credores) ou dos administradores judiciais e, ainda, diante do contexto pandêmico enfrentado à época, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 71, de 5 de agosto de 2020, com o objetivo de incentivar a criação do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc Empresarial) e, consequentemente, fomentar o uso de métodos adequados de tratamento de conflitos de natureza empresarial.

Em dezembro de 2020 sobrevieram as alterações advindas da lei 14.112/20, que incluíram a “Seção II-A – Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial”, que normatizou a utilização dos meios resolução de conflitos no âmbito dos processos de recuperação judicial.

Como indica o próprio nome da Seção, a mediação poderá ser instaurada em caráter preventivo, ou seja, antes do processamento da Recuperação Judicial, bem como no curso do processo, inclusive em âmbito de recursos em segundo grau de jurisdição e Tribunais Superiores.

A Lei traz apenas duas vedações ao uso da mediação, proibindo a sua utilização para se estabelecer a classificação dos créditos e para se discutir os critérios de votação em AGC, consoante §2º do art. 22-B3. 

Outro ponto importante trazido pelas modificações foi a limitação da atuação do administrador judicial no âmbito da recuperação judicial. A função de administrador Judicial e mediador são distintas, e não poderão ser acumuladas pelo mesmo profissional, conforme preconiza a recomendação 58/19 do CNJ, que também veda ao magistrado exercer a função de mediador.

Quanto ao papel do Administrador Judicial, a lei 14.112/20, na redação da alínea “j”, inciso I do art. 22 da LRF, impôs ao longa manus do magistrado o dever de estimular, sempre que possível, a conciliação, a mediação e outros métodos alternativos de solução de conflitos relacionados à recuperação judicial e à falência, respeitados os direitos de terceiros, na forma do § 3º do art. 3º da lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). 

A alteração da lei trouxe, portanto, significativas, importantes e positivas alterações nos processos de insolvência empresarial, demonstrando a intenção do legislador de favorecer e aprimorar o ambiente de negociação entre empresas e credores.

Certo é que a compatibilidade entre os instrumentos de mediação e conciliação com os institutos da Recuperação Judicial e Falência se deve ao seu caráter negocial e revela-se uma via interessante para viabilizar a maximização de êxito e identificar soluções consensuais que gerem benefícios mútuos às partes envolvidas.

Embora muito se fale do uso da mediação na recuperação judicial, seja em caráter antecedente, seja em caráter incidental, o emprego da mediação nos processos falimentares e seus incidentes também merece destaque.

A lei 11.101/05, ao tratar dos processos de falência, busca preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa, conforme expressamente dita o art. 75 da lei. Além disso as alterações promovidas pela lei 14.112/20 vêm reforçar que o processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e da economia processual.

Em que pese os esforços do legislador, é sabido que os processos falimentares e seus incidentes podem se arrastar por anos, em discussões que envolvem apuração de créditos, venda de ativos e responsabilidade dos sócios.

A mediação em processos desta natureza se mostra um instrumento eficaz para economia e celeridade processual, trazendo à mesa discussões envolvendo interesses da massa falida, seus credores e sócios, oportunizando que as partes envolvidas alcancem, de forma consensual e satisfatória, o desiderato de todo processo concursal, qual seja, o da satisfação, da melhor forma possível, dos credores do devedor.

É comum nos depararmos com ações de desconsideração da personalidade jurídica envolvendo sócios da devedora falida, bem como ações de extensão dos efeitos da falência, que buscam a responsabilização de terceiros pelo passivo da massa. Ações como estas demandam vasta dilação probatória e, não muito raro, vêm acompanhadas de medidas cautelares para frear o esvaziamento patrimonial. Ações desta natureza apresentam alto grau de litigiosidade e a mediação através do sistema multiportas pode trazer soluções céleres e eficientes na solução do conflito.

A título exemplificativo, podemos citar o caso do Grupo Probank (autos 5017206-95.2021.8.13.0024), como case de mediação exitoso. O Juízo da 2ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte/MG instaurou mediação entre as massas falidas do Grupo Probank e réus de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Após instaurado, o Incidente de Mediação foi enviado para o CEJUSC Empresarial da Comarca Belo Horizonte/MG e, após a realização de audiências, as partes indicaram como mediadores o Dr. Diego Faleck e Dr. Dídimo Inocêncio de Paula para atuarem no processo.

O acordo homologado em 14/12/22 prevê o aporte de R$ 25 milhões em favor da Massa Falida, cessões de créditos e a renúncia de créditos que somam mais de R$ 73 milhões, o que reduz expressivamente o passivo concursal.

O Magistrado, ao proferir a sentença, observou que o acordo trará inquestionável economia de tempo e trabalho, porque resolve a lide da desconsideração da personalidade jurídica, ao tempo em que agrega recursos para o pagamento dos Credores da Massa Falida, trazendo ganho a todos os legitimados ao feito da falência do Grupo Probank.

Como se vê, as alterações legislativas promovidas pela lei 14.112/02, bem como o protagonismo do CNJ no incentivo da utilização dos métodos consensuais de solução de conflitos, sem dúvida modernizaram o regramento para fomentar a solução de conflitos através da mediação, que se tornou ferramenta  essencial no processo falimentar para atingir os princípios da celeridade, economia processual e maximização de ativos, esculpidos no art. 75 da lei 11.101/05.


1 Enunciado 45, aprovado na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, iniciativa promovida pelo Conselho da Justiça Federal

2 STJ, TP 1049-RJ (2017/0284959-6), Relator Ministro Marco Buzzi, data da publicação DJ 13/11/2017.

3 Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:     (Incluído pela lei 14.112, de 2020)   (Vigência)

(..)

§ 2º São vedadas a conciliação e a mediação sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como sobre critérios de votação em assembleia-geral de credores.    (Incluído pela lei 14.112, de 2020)    (Vigência)

Fonte: Migalhas

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