O termo de formalização ou de dissolução da união estável lavrado diretamente junto aos cartórios de registro civil de pessoas naturais é um novo instrumento público introduzido pela Lei nº 14.382/2022 no artigo 94-A da Lei nº 6.015/73.
A novidade é mais um passo na desjudicialização mediante a ampliação das atribuições dos cerca de 7.760 [1] cartórios de registro civil de pessoas naturais do Brasil. Tamanha capilaridade decorre da imposição legal de que em cada sede municipal e, nos municípios de significativa extensão territorial, em cada sede distrital haja no mínimo um registrador civil das pessoas naturais (artigo 44 da Lei nº 8.935/94).
Por esse motivo, os cartórios da cidadania estão mais próximos da população do que uma unidade judiciária ou delegacia de polícia. E talvez por sua participação em momentos marcantes da vida de qualquer cidadão como nascimento, casamento, morte etc., os cartórios já foram apontados em pesquisa do Datafolha [2] como as instituições mais confiáveis do país, ficando à frente dos Correios, Forças Armadas, Ministério Público e polícia.
Desse modo, ao criar o termo declaratório de união estável e o de dissolução lavrado nos cartórios de registro civil, o legislador facilitou o acesso da população à formalização jurídica de um relacionamento já existente e que configura entidade familiar, promovendo a proteção que o instituto faz jus pelo artigo 226 da CF/88.
Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou esse novo instrumento público pelo Provimento nº 141/2023, alterando o Provimento nº 37/2014 nos seguintes termos:
“Art. 1º-A. O título de que trata o inciso IV do § 3º do art. 1º deste Provimento consistirá em declaração, por escrito, de ambos os companheiros perante o ofício de registro civil das pessoas naturais de sua livre escolha, com a indicação de todas as cláusulas admitidas nos demais títulos, inclusive a escolha de regime de bens na forma do art. 1.725 da Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), e de inexistência de lavratura de termo declaratório anterior.” (grifei)
Especificamente em relação ao termo de dissolução da união estável, as diretrizes são:
“Art. 1º. § 3º. Os títulos admitidos para registro ou averbação na forma deste Provimento podem ser:
IV – termos declaratórios de reconhecimento e de dissolução de união estável formalizados perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, exigida a assistência de advogado ou de defensor público no caso de dissolução da união estável nos termos da aplicação analógica do art. 733 da Lei nº 13.105, de 2015 (Código de Processo Civil) e da Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 6º. Havendo nascituro ou filhos incapazes, a dissolução da união estável somente será possível por meio de sentença judicial.
(…)
Art. 1º-A. § 6º. Enquanto não for editada legislação específica no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o valor dos emolumentos para:
I – os termos declaratórios de reconhecimento ou de dissolução da união estável será de 50% (cinquenta por cento) do valor previsto para o procedimento de habilitação de casamento e, no caso de envolver partilha de bens, o termo declaratório de dissolução da união estável corresponderá ao valor dos emolumentos previstos para a escritura pública do mesmo ato jurídico;
(…)
Art. 7º. Não é exigível o prévio registro da união estável para que seja registrada a sua dissolução, devendo, nessa hipótese, constar do registro somente a data da escritura pública de dissolução.
§ 1º. Se existente o prévio registro da união estável, a sua dissolução será averbada à margem daquele ato.” (grifei)
Percebe-se que o termo seguirá basicamente as mesmas regras das escrituras públicas, posto que o provimento expressamente faz remissões ao CPC [3] e a Resolução 35/2007 [4] do CNJ, sem incluir restrições ou limitações à sua aplicação. Nesse sentido, na dissolução é obrigatória a assistência de advogado ou defensor e caso haja nascituro ou filhos incapazes, impõe-se a via judicial.
Importante ressaltar que foi regulamentada a cobrança do termo declaratório de dissolução da união estável inclusive quando envolver partilha de bens, hipótese que corresponderá ao valor dos emolumentos previstos para a escritura pública do mesmo ato jurídico.
É clara a previsão permitindo que no termo de dissolução seja realizada partilha de bens de qualquer natureza e montante, sem qualquer limitação de valor. Assim, como o CNJ optou pela equiparação do termo à escritura pública, não cabe aos tribunais de justiça ao normatizar o assunto no âmbito administrativo restringir seu alcance; nem ao registrador de imóveis recusar a recepção do termo no fólio real, sob alegação de que não é escritura pública. O surgimento de um novo instrumento jurídico impõe sua inclusão, por meio da interpretação extensiva, no artigo 221 da Lei 6.015/73.
Ademais, se a opção normativa foi equiparar o termo lavrado nos cartórios de registro civil a uma escritura de dissolução de união estável, também cabe interpretação extensiva na análise do artigo 108 do Código Civil, não lhe sendo aplicável limitação de valor:
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.”
Ora, se a lei federal e o CNJ não restringiram o valor da partilha de bens a ser realizada no termo de dissolução de união estável, fica evidente que a intenção foi equipará-lo a uma escritura pública, razão pela qual o entendimento mais coerente é estender o alcance da norma para incluir o termo nos dispositivos que exigem escritura pública, sendo título válido para partilhar direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo.
A participação obrigatória de advogado ou defensor no termo de dissolução e sua lavratura por um delegatário, operador do direito aprovado em concurso público, são suficientes para garantir a observância dos requisitos legais, bem como a segurança jurídica e eficácia do ato.
Note-se que o termo é título hábil para ingresso no cartório de registro de imóveis conforme previsão do artigo 9º-D §6º do Provimento. Ademais, a Lei nº 6.015/73 permite o acesso ao fólio real de atos que contenham formais de partilha, convenções antenupciais, regimes diversos do legal e eventuais alterações de nome:
“Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I – o registro:
25) dos atos de entrega de legados de imóveis, dos formais de partilha e das sentenças de adjudicação em inventário ou arrolamento quando não houver partilha;
II – a averbação:
1) das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento;
5) da alteração do nome por casamento ou por desquite, ou, ainda, de outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas;” (grifei)
Importante ressaltar que na I Jornada de Direito Notarial e Registral foi aprovado o enunciado 22: Para o ingresso da união estável no Registro de Imóveis não é necessário o seu prévio registro no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais. Portanto, o termo público tem ingresso na matrícula do imóvel independente de outras formalidades registrais.
Conclui-se que o novo termo declaratório lavrado pelos cartórios de registro civil é mais acessível à população e facilitará a comprovação da existência de uma união estável e a sua eventual cessação, trazendo mais segurança jurídica e praticidade aos conviventes.
[1] https://transparencia.registrocivil.org.br/cartorios
[2] https://www.portaldori.com.br/2017/06/06/pesquisa-datafolha-aponta-cartorios-como-as-instituicoes-mais-confiaveis/
[3] Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:
I – as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;
II – as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;
III – o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e
IV – o valor da contribuição para criar e educar os filhos.
Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658 .
Art. 733. O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731 .
§ 1º. A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º. O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
[4] chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://atos.cnj.jus.br/files/compilado172958202007015efcc816b5a16.pdf
Fernanda Maria Alves Gomes é registradora civil de pessoas naturais em Fortaleza (CE) e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
Fonte: ConJur