O presente artigo tem como objetivo examinar a solução negocial prévia ao protesto, inovação incorporada à lei 9.492/97, pelo marco legal das garantias, a lei 14.711/23.
A definição legal da atividade extrajudicial de protesto é encontrada no caput, do artigo 1º, da lei federal 9.492/97, sendo, portanto, o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida (BRASIL, 1997).
Para Sérgio Luiz José Bueno (2013, pp. 27/35), dúvida não resta de que hoje o procedimento para protesto é importante meio de recuperação de crédito e, por via de consequência, de desafogo do Poder Judiciário.
Sendo seu conceito mais amplo, trata-se de instrumento de recuperação de créditos capaz de promover a justiça econômico-social, a circulação de riquezas e o consequente desenvolvimento local, por meio do qual o credor, buscando o adimplemento e o cumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, requer a prática de ato ao delegatário de serviço público, com o objetivo de compelir legalmente o devedor ao pagamento da dívida, em decorrência do abalo de crédito no mercado, ou provar circunstância cambiária relevante (FRAGA, 2023, p. 38).
Em uma sociedade que vivencia uma era de hipermodernidades1, uma era de inovações tecnológicas e científicas, onde transações milionárias são realizadas com apenas um clique, tornou-se necessário que a atividade notarial e registral acompanhasse a velocidade da globalização2, criando e aprimorando o uso de ferramentas em prol do desenvolvimento socioeconômico e da circulação de riquezas (FRAGA; OLIVEIRA; SILVEIRA, 2022, pp. 16-19).
Nesse cenário, a lei 14.711/23 (BRASIL, 2023), conhecida como marco legal das garantias, ao dispor sobre o aprimoramento das regras relativas ao tratamento do crédito e das garantias e às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito, promoveu relevantes mudanças na lei 9.492/97 (BRASIL, 1997), consequentemente, na atividade extrajudicial de protesto de títulos e outros documentos de dívidas. Dentre tais mudanças, se pontua a solução negocial prévia ao protesto (artigo 11-A, da Lei de Protesto).
Assim, quando requerido expressamente pelo credor, fica permitida ao tabelião de protesto, por meio da central nacional de serviços eletrônicos compartilhados – CENPROT, a recepção do título ou documento de dívida com a recomendação de proposta de solução negocial prévia ao protesto (BRASIL, 2023).
Quanto ao procedimento, recepcionado o título ou documento de dívida com a recomendação de solução negocial prévia, o tabelião de protesto expedirá comunicação com o teor da proposta ao devedor3 (BRASIL, 2023).
O prazo de resposta do devedor para a proposta de solução negocial será de até 30 (trinta) dias, segundo o que vier a ser fixado pelo apresentante (BRASIL, 2023).
Importante inovação trazida pela solução negocial prévia é a possibilidade do credor estipular desconto da dívida, bem como demais condições de pagamento (BRASIL, 2023).
A remessa será convertida em indicação para protesto pelo valor original da dívida na hipótese de negociação frustrada e se não houver a desistência do apresentante ou credor (BRASIL, 2023).
A data de apresentação da proposta de solução negocial prévia é considerada para todos os fins e efeitos de direito, inclusive para direito de regresso, interrupção da prescrição, execução, falência e cobrança de emolumentos, desde que frustrada a negociação prévia e esta seja convertida em protesto (BRASIL, 2023).
A proposta de solução negocial prévia não exitosa e a sua conversão em protesto serão consideradas ato único, para fins de cobrança de emolumentos (BRASIL, 2023).
Trata-se, pois, do pré-protesto, uma medida capaz de incluir a atividade extrajudicial de protesto na primeira régua de cobrança, possibilitando uma maior flexibilidade para a quitação da dívida do início ao fim de seus procedimentos, o que pode contribuir para o aumento da adimplência, trazendo ao protesto extrajudicial uma dívida “menos tensionada ou estressada”, passível de ser objeto de primeira negociação já mesmo na esfera de referida especialidade notarial e registral.
Logo, aprimorando as regras relativas ao tratamento e recuperação do crédito, já no início da cadeia de atos do protesto extrajudicial, é possível, por meio da solução negocial prévia, a estipulação do valor ou percentual de desconto da dívida, bem como das demais condições de pagamento, algo que somente era possível após o protesto, com as medidas de incentivo à quitação ou renegociação de dívidas protestadas, estas também objeto de modificações pelo marco legal das garantias.
Diante do exposto, conclui-se que a solução negocial prévia ao protesto é medida extrajudicial que corrobora com o fim colimado das regras relativas ao tratamento do crédito, ampliando métodos e procedimentos para que dialoguem com a eficiência na recuperação de créditos, com potencial de refletir positivamente em toda a sociedade, contribuindo para com o desenvolvimento socioeconômico local e à desjudicialização de demandas, possibilitando que a atividade extrajudicial de protesto concretize valores constitucionais, dentre os quais os da garantia do desenvolvimento nacional e da construção de uma sociedade mais justa e solidária, bem como a finalidade da ordem econômica nacional de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
1 Conforme observa Gilles Lipovetsky (2004, p. 52), a hipermodernidade é a era que se faz presente no momento em que figuram a tecnologia genética, a globalização liberal e os direitos humanos, sucedendo à pós-modernidade, por essa ter esgotado sua capacidade de exprimir o mundo que se anuncia.
2 A globalização caracteriza-se pelo entrelace em escala internacional/mundial de fatores culturais, econômicos, políticos e sociais, com a aproximação dos países e pessoas dos mais distantes locais de forma mais célere devido a possibilidades criadas pelo desenvolvimento tecnológico como o telefone, a transmissão televisiva, a internet e as viagens aéreas, gerando sensação de maior proximidade e menor distância entre pessoas e povos (FRAGA; OLIVEIRA, 2020, p. 476).
3 Por carta simples, correio eletrônico, aplicativo de mensagem instantânea ou qualquer outro meio idôneo.
BRASIL. Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997. Define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9492.htm. Acesso em: 12 dez. 2023.
BRASIL. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023. Dispõe sobre o aprimoramento das regras de garantia, a execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, a execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, o resgate antecipado de Letra Financeira, a alíquota de imposto de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão de debêntures; altera as Leis nºs 9.514, de 20 de novembro de 1997, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.476, de 28 de agosto de 2017, 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 9.492, de 10 de setembro de 1997, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 12.249, de 11 de junho de 2010, 14.113, de 25 de dezembro de 2020, 11.312, de 27 de junho de 2006, 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e 14.382, de 27 de junho de 2022, e o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969; e revoga dispositivos dos Decretos-Lei nºs 70, de 21 de novembro de 1966, e 73, de 21 de novembro de 1966.. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14711.htm. Acesso em: 12 dez. 2023.
BUENO, Sérgio Luiz José. Tabelionato de protesto. In: CASSETTARI, Christiano (Coord.). Coleção cartórios. São Paulo: Saraiva, 2013.
FRAGA, Fellipe Vilas Bôas. Protesto extrajudicial, desjudicialização e desenvolvimento socioeconômico local. São Paulo: Dialética, 2023.
FRAGA, Fellipe Vilas Bôas. OLIVEIRA, Bruno Bastos de. O papel das serventias extrajudiciais na desjudicialização das questões relativas à guarda, visitação e pensão alimentícia de menores de idade. Cognitio Juris, João Pessoa, a. X, n. 32, p. 474-505, jul./dez. 2020. Disponível em: http://www.cognitiojuris.com/artigos/EDICAO_32.pdf. Acesso em: 12 dez. 2023.
FRAGA, Fellipe Vilas Bôas; OLIVEIRA, Bruno Bastos de; SILVEIRA, Luciano Martins. E notariado e a atividade notarial brasileira na hipermodernidade: uma análise sob a perspectiva da inclusão digital e do desenvolvimento nacional. Revista de Direito Notarial, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 1-26, 2022. Disponível em: http://rdn.cnbsp.org.br/index.php/direitonotarial/article/view/72. Acesso em: 12 dez. 2023.
LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.
Fonte: Migalhas