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Artigo: Os 18 anos do Conselho Nacional de Justiça – Por Luis Felipe Salomão

Dezoito anos e muitos motivos para celebrar.

Em 14 de junho de 2005, foi instituído o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), data verdadeiramente marcante para o Poder Judiciário e que merece algumas reflexões.

Desejo submeter ao leitor, inicialmente, algumas linhas de pensamento que irão guiar o raciocínio deste texto.

Primeiro é de Piero Calamandrei, no livro clássico “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, numa tradução livre da editora Martins Fontes, que assinalou:

Não é honesto, quando se fala dos problemas da Justiça, refugiar-se atrás da cômoda frase feita que diz ser a magistratura superior a qualquer crítica e a qualquer suspeita, como se os magistrados fossem criaturas sobre-humanas, não atingidas pelas misérias desta terra e, por isso, intangíveis.

Quem se contenta com essas tolas adulações ofende a seriedade da magistratura, a qual não se honra adulando, mas ajudando sinceramente a estar à altura de sua missão[1].

O segundo pensamento sobre essa data comemorativa é extraído da apresentação do livro do gaúcho Lenine Nequete — talvez o maior historiador do Poder Judiciário no Brasil — feita pelo Ministro Carlos Mário Velloso, na qual é afirmado em relação ao Poder Judiciário:

Da leitura do livro de Lenine Nequete, ressai que essa trajetória sempre foi ascendente. É dizer, a Justiça brasileira, a partir do descobrimento, a partir mais exatamente de 1530, quando Martim Afonso de Sousa foi investido, pelo rei de Portugal, de poderes de jurisdição administrativa e judiciária, até os nossos dias, é uma história de sucessos, de conquista, com a ampliação — o que, aliás, é a tônica do constitucionalismo contemporâneo — das atribuições do Judiciário brasileiro[2].

O saudoso Dalmo Dallari também referia a uma saudável rebelião dos juízes que, naquele momento, encontravam-se limitados pelo período da ditadura, ocupando, na Constituição de 1988, lugar simbólico da democracia[3].

Mauro Cappelletti vaticinou que este seria o século do Judiciário, o terceiro gigante, o guardião das promessas constitucionais[4].

Foi com esse pano de fundo que se debateu, na Constituição de 1988, a criação de um Conselho que pudesse estabelecer regras administrativas e orçamentárias para o Poder Judiciário, mas que o Constituinte, naquele momento ainda embrionário, não conseguiu instituir.

Ainda assim, a Constituição trouxe inúmeros avanços. Primeiro, foi discutido se o Judiciário seria mantido como Poder da República, o que de fato aconteceu. A intenção, naquela época, era de instituir situação como a francesa, em que não se trata de um poder, mas de uma função.

Na Carta Magna, assegurou-se autonomia administrativa e financeira ao Judiciário, o que é importantíssimo, por se tratar de padrão de independência que não existe em nenhum outro lugar do mundo.

Foram assentados alguns pontos importantes para a carreira, como a exigência de cinco anos para aposentadoria e o quinto na antiguidade para a promoção por merecimento. Também foram instituídos o habeas data, o mandado de injunção e o mandado de segurança coletivo.

Depois veio a Emenda nº 45, com outros avanços inegáveis em termos de Poder Judiciário.

Estabeleceu-se a razoável duração do processo, assim como o número de juízes proporcional à demanda, a justiça itinerante, a súmula vinculante para o Supremo Tribunal Federal, os critérios objetivos para a promoção, os três anos de experiência para ingresso na magistratura, a eleição direta para parte do Órgão Especial, a quarentena, o fim de férias coletivas e a distribuição imediata de processos. Surgiu ainda a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento (Enfam) no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal Superior do Trabalho, fixando-se um curso como etapa obrigatória no período de vitaliciamento.

Além de tudo isso, a Emenda nº 45 criou o CNJ, nos termos do artigo 103-B da Constituição Federal, composto por 15 conselheiros, sendo três ministros de tribunais, seis magistrados, dois membros do Ministério Público, dois integrantes da Ordem dos Advogados e dois cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, um indicado pelo Senado e outro, pela Câmara.

Essa composição híbrida fornece ao Conselho pensamento múltiplo dos usuários do sistema judiciário, de modo que o exame de cada assunto se torna realmente muito rico e produtivo para esse braço institucional e de estabelecimento de políticas públicas.

Não foi fácil a trajetória. Todos os magistrados à época viram o CNJ com certa cautela. Passo a passo, mediante as pautas que foram sendo criadas e a seriedade com a qual os temas foram tratados, os integrantes do Conselho firmaram precedentes importantes para conferir não só a respeitabilidade desse órgão, como também a confiança da sociedade nos próprios magistrados.

Hoje se percebe, com muita nitidez, quanto o CNJ é importante para a sociedade e o fortalecimento institucional, com o encaminhamento de pleitos das Associações e dos Tribunais.

Trata-se de instrumento poderoso de política pública, sendo o CNJ moldado com características bem próprias.

Se realizado estudo de direito comparado com outros Conselhos que existem na Europa, em outros países sobretudo da Europa continental, nenhum outro tem esse alcance, esse calibre de políticas públicas como se constata no Brasil, o que foi idealizado pela Emenda nº 45.

Nesse sentido, há inúmeras decisões que poderiam ser mencionadas e que dão bem o panorama dessa atividade do Conselho.

“Justiça em Números” é exemplo importantíssimo para traçar a radiografia do Judiciário, pois não se aplica remédio sem saber qual é a doença.

Algumas decisões marcaram época: o fim do nepotismo, a especificação dos critérios objetivos para promoção, a equalização da força de trabalho entre primeiro e segundo grau, o orçamento participativo.

Agora, mais recentemente, cabe destacar a evolução em diversas matérias, como o julgamento com perspectiva de gênero, o regime de cotas em concurso, a união e o casamento homoafetivo. Há uma série de decisões que são motivo de orgulho como formuladoras de política pública.

No caso da Corregedoria, mais especificamente, estão sendo consolidados todos os atos normativos do órgão.

Além disso, o formato das correições quando o CNJ se dirige ao Estado — não é a Corregedoria que vai, mas o próprio CNJ —, logo se trata de aperfeiçoar o trabalho, de contribuir. Toda a sociedade espera a participação do Conselho. O Tribunal local corrige os problemas identificados na correição anterior e já se prepara para a próxima.

Está sendo implantado, nos cartórios extrajudiciais, o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp), que vai criar grande balcão virtual para funcionamento interoperável do sistema.

Por sua vez, o jovem prestes a completar 18 anos está sendo desinstitucionalizado em casa de acolhimento, pelo “Projeto Novos Caminhos”.

Também vem sendo promovida a regularização fundiária, mediante parceria entre a comissão responsável pelo tema e a Corregedoria Nacional. Na semana chamada “Solo Seguro no âmbito da Amazônia Legal”, será instituído esse Serviço de Regularização Fundiária Urbana (Reurb) e rural também. É imperioso trabalhar na transparência e critérios de mensuração de eficiência dessas demandas, porque não basta ter uma boa legislação. É preciso ser vigilante.

Recentemente, houve a semana de erradicação do sub-registro civil, intitulada “Registre-se!”, programa no qual quase cem mil pessoas foram atendidas. Houve o fornecimento de inúmeras certidões de nascimento, documento básico para se obter a cidadania, especialmente para moradores de rua.

Também há monitoramento — e a parte disciplinar é a que apresenta maiores dificuldades e tem de ser exercida — tanto do retorno ao trabalho presencial, num painel e nas inspeções, como também das penas de disponibilidade e de processos administrativos disciplinares em Tribunais, procedimento que vem sendo acompanhado em tempo real.

Enfim, são diversas ações para mudar um pouco o mundo que está à nossa volta. Por isso, os 18 anos do CNJ devem ser comemorados com tanta ênfase e engajamento. É uma honra participar dessa grande empreitada e um privilégio poder colocar uma pequena pedrinha nessa grande construção em prol da sociedade.


[1] CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 297.

[2] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Apresentação. In: NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da independência: império. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000. v. 1, p. [9].

[3] DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. 163 p.

[4] CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: S.A. Fabris, 1999. 134 p.

Fonte: ConJur

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