Nos últimos meses, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem analisado importantes matérias do Direito do Trabalho, entre outras: a desnecessidade de motivação para a demissão de empregados prevista na Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (ação iniciada em 1997); o reconhecimento de que “o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho”, com deslocamento de ações da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum; a jornada de trabalho, descanso e fracionamento de intervalo de caminhoneiros; o piso de enfermagem, a ser negociado com os sindicatos, para empresas privadas; a previsão de que o tabelamento de dano moral na CLT não é teto para indenizações, podendo ser fixado em quantia superior; e a reafirmação da possibilidade de cobrança de honorários advocatícios de sucumbência a ex-empregado, na Justiça do Trabalho, quando cessada a condição de miserabilidade da pessoa física.
Além dessas, há matérias que começaram a ser analisadas e pendem de finalização, tais como: as regras de uniformização da jurisprudência da Justiça do Trabalho; a contribuição descontada do trabalhador, sem a necessidade de autorização prévia e expressa, sendo o desconto evitado, somente na hipótese de envio de carta de oposição do empregado ao sindicato; e a inclusão em execução trabalhista de empresa que não participou da fase inicial do processo.
No TST (Tribunal Superior do Trabalho), muitas decisões passaram a se amparar de forma expressa na decisão do STF, transitada em julgado em maio de 2023, que fixou o Tema de Repercussão Geral nº 1.046, declarando a constitucionalidade dos acordos e as convenções coletivas que, levando em consideração a especificidade do setor, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Os julgamentos do TST, que deram validade à negociação coletiva com base no entendimento do STF, versaram sobre supressão do pagamento das horas de deslocamento “casa-trabalho-casa” (in itinere); redução do intervalo intrajornada; compensação de jornada na modalidade de banco de horas em ambiente insalubre sem autorização do Ministério do Trabalho; jornada de trabalho de 12h em escalas de 4×4, entre outras.
Ou seja, a negociação coletiva pode limitar ou afastar direitos trabalhistas — desde que se respeitem os direitos indisponíveis.
Restaria saber: quais seriam os referidos direitos indisponíveis?
O próprio STF, no julgamento do caso principal, que resultou na fixação do Tema nº 1.046, previu que direitos indisponíveis são compostos: primeiro, pelas normas constitucionais; segundo, pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro; e, terceiro, pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.
Antes mesmo da fixação do tema em análise, a Constituição já previa expressamente o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho e, neste momento, o STF chancelou o protagonismo das negociações coletivas. A mesma Constituição que reconhece as normas coletivas, como instrumento de melhoria da condição social dos trabalhadores, assegura-lhes direitos mínimos expressos, que foram reproduzidos na CLT pela reforma trabalhista.
De igual maneira, as normas internacionais possuem assento constitucional, inclusive alçadas ao patamar de emenda constitucional, quando aprovadas com quórum qualificado no Congresso. Neste momento, o Supremo garante que as normas internacionais não sejam interpretadas como meramente programáticas, mas de conteúdo aplicável e de natureza indisponível, reconhecendo a necessidade de observância pelas negociações coletivas de trabalho.
Neste rol de direitos indisponíveis, a decisão que fixou o Tema nº 1.046 também prevê, como indisponível, a cidadania, considerando como tal os direitos relacionados à saúde e segurança no trabalho, normas sobre bases salariais mínimas, de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios. Em resumo, todos os dispositivos que contenham imperatividade em sua incidência no âmbito do contrato de trabalho, conforme doutrina escrita por ministro do TST, Maurício Godinho Delgado.
No entanto, na prática, não será tão óbvio delimitar quais seriam os direitos absolutamente indisponíveis e que fugiriam das negociações coletivas, uma vez que a investigação do caso concreto em processo judicial, sobre as fórmulas criadas pelas partes sobre um direito negociado, comportará interpretações acerca do enquadramento (ou não) da norma coletiva ao conceito de direitos absolutamente indisponíveis.
Nesse contexto de mudanças legislativas, jurisprudenciais e interpretações jurídicas, recomenda-se análise atualizada e constante da mesa de negociação, focando na criatividade jurídica, com o envolvimento dos advogados das partes negociadoras.
Fonte: ConJur