Palestra na Concart 2021 também debateu desafios dos ofícios em continuar absorvendo demandas, mas pede contrapartidas para efetiva segurança jurídica dos atos.
É preciso desafogar os processos judiciais numa sociedade como a brasileira, conhecida pelo grande volume de conflitos nos tribunais. Ao acolher funções como mediação e conciliação, os serviços notariais e registrais ajudam a gerar um efeito em cadeia que fortalece o próprio estado democrático de direito. Foi o que disseram as especialistas ao palestrar sobre “O Impacto da Desjudicialização Para o Fortalecimento dos Serviços Notariais e Registrais”, o terceiro Painel sob mediação de Fernanda Castro, registradora civil mineira e Diretora da Escola Nacional da CNR, Doutoranda em Direito Constitucional pelo IDP, realizado na Conferência Nacional dos Cartórios (Concart 2021) na manhã desta sexta-feira.
“Eles contribuem muito mais com a sociedade do que são fortalecidos”, afirmou Érica Barbosa e Silva, registradora civil no estado de São Paulo, autora de livros no setor de mediação e conciliação, além de doutorado pela USP (Universidade de São Paulo) em mediação e conciliação.
De acordo com Érica, “no nosso sistema precisamos de conceitos multiportas, inspirado no sistema norte-americano, que tem arbitragem, avaliação, verificação das provas antes da parte ingressar no judiciário, conseguindo combinar todas essas formas. Lá o Judiciário é muito caro e fica como última parte do sistema. Então só vai para o Judiciário o que não encontrou nenhuma solução em outro lugar”.
Benefícios
“Com uma sociedade contemporânea tão complexa como a nossa, esse conceito (de recorrer aos tribunais) é insuficiente para dar conta da quantidade de questões jurídicas que nós temos”, ressaltou Erica. Ela salientou que os cartórios são espaços ideais, com toda a segurança jurídica e fé pública, para receber causas que não precisam chegar ao Judiciário. A palestrante observou ainda que isso gera um efeito cascata benéfico para a realização da cidadania, que é o acesso universal e concreto do cidadão buscar Justiça para suas demandas.
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Com isso, Érica afirmou que o próprio poder Judiciário também acaba fortalecido, graças ao auxílio estratégico dos serviços notariais e registrais. “Esse acesso não pode ser compreendido de maneira abstrata, mas vale o acesso à ordem jurídica justa, com tempo razoável e custo módico para endereçar o conflito para a solução. Ela é mais concreta do que pensar o acesso à Justiça de maneira abstrata, garantindo viés de fortalecimento do Judiciário, permitindo pensar qual a função dele no estado democrático de direito, e podendo priorizar a sua verdadeira função e vocação”, destacou Erica.
Sustentabilidade
Mas a continuidade dos serviços de desjudicialização reúne enormes desafios pela frente. Quem afirmou foi Letícia Franco Maculan, registradora civil e tabelia em Belo Horizonte, ex-procuradora da Fazenda, autora de vários livros da atividade. À medida que as serventias recebem novas atribuições, alertou ela, é necessário que se garantam condições de trabalho e manutenção para os cartórios.
“Somos um caso de sucesso. Para continuar a vir mais serviços, é preciso pensar na sustentabilidade, com previsão de fonte de custeio, organizado pelo próprio interessado ou o Estado. O atual fundo não dá conta de tudo, sendo criado apenas para ressarcir os registros de nascimento e óbito”, observou Letícia.
Ao falar sobre sua experiência em casos de desjudicialização, Letícia afirma que os cartórios vêm gerando Justiça de forma constante na área social, garantindo acesso à cidadania com muitos casos de reconhecimento de paternidade e maternidade e de registro tardio. Situações resolvidas como essa tiram milhares de pessoas da invisibilidade como cidadãs, resgatando a todas elas vários direitos, como acesso a uma conta bancária, título eleitoral, pagamentos de pensão e toda a cobertura previdenciária, por exemplo.
Qualidade
No entanto, Letícia afirmou que a realização desses serviços precisa ser feita com qualidade, envolvendo treinamento de funcionários e toda a estrutura de registro, que hoje envolve o investimento em equipamentos com tecnologia digital.
“Só em Minas estamos falando de 1500 cartórios para praticar todos os atos. Temos que evitar ataque hacker, treinar nossos funcionários. Isso tem um custo. Quem é de fora acha que o Estado nos paga, mas não. Se confunde com a realidade de servidor público, que tem uma estrutura ao chegar para trabalhar. Não é assim nos serviços notariais e de registro. Para dar conta, temos que ter os funcionários e todos os direitos”, disse Letícia.
Prejuízo
A registradora mineira disse que o balanço muitas vezes fecha no negativo e defende uma reavaliação do equilíbrio entre receitas e despesas dos cartórios. “Às vezes não sobra, com meses de prejuízo para muitas serventias. A delegação está sujeita a uma equação econômico-financeira. Isso deveria ter sido observado desde a Constituição de 1988. Não existe almoço grátis, alguém vai pagar por isso”, alertou Letícia.
A registradora comentou que a Lei 1069, que trata da questão dos emolumentos, é muito linda no papel, mas precisa sofrer alterações para absorver os novos serviços, principalmente os gratuitos, que foram sendo repassados à responsabilidade das serventias, sem o devido acompanhamento dos custos que esses serviços representam
União
Para Flávia Hill, registradora civil no Rio de Janeiro, doutora pela UERJ, professora universitária e integrante da Comissão de Desjudicialização do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), “a desjudicialização nas serventias é uma revolução silenciosa.”
Porém, Flávia observou que operadores do Direito de outras áreas vem recebendo com “assombro” essa absorção de novos serviços judiciais por parte das serventias. “Mudou o perfil de nossa atuação, o bonde da história passou, mas precisamos que todos os operadores do Direito embarquem”, disse Flávia, que defendeu um diálogo franco e aberto para que haja compreensão de que as serventias do século 21 não podem ser mais olhadas com os critérios da realidade do século 20.
“Se unirmos forças podemos criar protocolos futuros prevenindo equívoco. Essa eficiência se volta a favor de todos, reduz o trabalho de tribunais, do advogado público e privado e do promotor de Justiça. Estamos quase em num círculo vicioso para ir a um círculo virtuoso. Não falo de forma romântica, mas pragmática”, disse Flávia.
Experiência comprovada
“Enxergamos um impacto grande com a celeridade com que conseguimos praticar nossos atos. Devemos darmos as mãos para evitar o retrabalho dos operadores do direito”, ressaltou a registradora. O sistema judicial brasileiro, disse Flávia, é composto por ilhas, que devem criar pontes para iniciar uma ampla fase de diálogo e definição de denominadores comuns.
“Os colegas de outras carreiras devem nos enxergar enquanto pares. Devemos organizar um diálogo franco e aberto para sanar as arestas. Se novas funções foram passadas às serventias, não foi por acaso. Não somos neófitos nesse setor”, comentou Flávia.
O fato, segundo ela, é que o processo de desjudicialização é uma realidade já verificada no mundo todo, chegando ao Brasil nos anos recentes. “A desjudicialização não é boa ou ruim para tal e qual categoria. Falar em desjudicialização é um movimento global, que chega aqui tardiamente”, destacou.
Flávia disse que “se o poder Judiciário não dá conta, (a demanda) terá de ir para algum lugar”. As serventias, com sua capacidade já demonstrada de servir à sociedade, são referências para continuar “somando forças” para levar uma Justiça de qualidade e universal a todos os cidadãos.
A íntegra das palestras estará disponível em breve.