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Diligência e Perspicácia do Registrador Civil de Pessoas Naturais na identificação da prática de Crimes

Diligência e Perspicácia do Registrador Civil de Pessoas Naturais

Fernanda Maria Alves Gomes

Tabeliã e Registradora Civil em Fortaleza-CE

Mestre em Direito pela UFPe

Os cartórios de registro civil de pessoas naturais – RCPN são responsáveis pelo registro dos principais atos civis da vida humana: nascimento, casamento e óbito. Pela importância dos atos lá praticados, há previsão legal para que haja um RCPN em cada distrito. Tamanha capilaridade existe para promover cidadania, mas também os torna alvo de inúmeras condutas criminosas.

Dentre as inúmeras tentativas de fraudes possíveis, cabe aos registradores civis se precaverem especificamente em relação aos crimes contra a família previstos no Código Penal.

O crime de Bigamia (art.235) ocorre quando alguém casado contrai novo casamento, sendo prevista a pena de reclusão, de dois a seis anos. O processo de habilitação para o casamento exige a declaração do estado civil. Ao mentir, o agente pratica falsidade ideológica (crime-meio), que é absorvido pelo crime fim bigamia.

Importante observar que manter união estável ou o mero casamento religioso não caracteriza o crime. Da mesma forma, haverá atipicidade da conduta se um dos casamentos for nulo, nos termos dos arts. 1548 e 1550 Código Civil.

Para se precaver, cabe ao Registrador Civil exigir dos nubentes as certidões de nascimento atualizadas, no intuito de verificar se houve anotação de casamento e, em caso positivo, a comprovação da averbação do divórcio no casamento anterior. No caso de casamento de estrangeiro, deve ser orientado quanto a eventual separação no exterior e a necessidade de divórcio.

A consumação do crime de bigamia ocorre quando o juiz de paz declara os nubentes casados (art. 1514 CC), sendo admissível a tentativa se a solenidade for interrompida antes desse momento.

Outros dois crimes que demandam precaução pelo Registrador Civil durante a habilitação do casamento são os previstos nos Arts. 236 e 237, especificamente em relação ao conhecimento prévio ou ocultação de impedimento do outro contraente.

Por se tratarem de norma penal em branco, necessitam de complementação do Código Civil, que elenca os impedimentos no art. 1521 ao estabelecer que não podem casar: I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II – os afins em linha reta; III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V – o adotado com o filho do adotante; VI – as pessoas casadas; VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Assim, alguns dos impedimentos são verificáveis pelo Registrador Civil, cabendo ao mesmo apontá-los durante o processo de habilitação, principalmente quando verificar que um dos nubentes dolosamente pretende ocultá-lo.

Em relação aos crimes de Simulação de autoridade para celebração de casamento (Art. 238) e Simulação de casamento ou estelionato matrimonial (Art. 239), cujas condutas envolvem atribuição falsa de autoridade para celebração de casamento ou da própria solenidade em si, o Registrador somente poderá intervir se for procurado pelos nubentes e tiver a oportunidade de orientá-los acerca das formalidades do casamento civil e de que a atribuição para realizá-lo é do juiz de paz devidamente nomeado pela autoridade competente.

O único meio dos noivos evitarem tais fraudes e não serem enganados por falsos padres, pastores ou pseudo celebrantes, usurpadores desta função pública, é procurar um cartório de registro civil de pessoas naturais e se informar acerca dos procedimentos legais.

Especificamente em relação às celebrações religiosas, vale lembrar o disposto no Art. 1.515 CC: O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.

Quanto aos crimes contra o estado de filiação, o registro de nascimento inexistente está previsto no art. 241 CP, com pena de reclusão, de dois a seis anos.

Para fazer o registro inexistente o agente pode falsificar a Declaração de Nascido Vivo fornecida pelas maternidades e parteiras, o que pode caracterizar falsificação documental (quando forja materialmente a declaração) ou ideológica (caso insira dados falsos na declaração), crimes meios para se atingir o crime fim, e que serão por este absorvidos. Também pode alegar nascimento sem assistência médica, realizado em casa, ou registro tardio e comparecer com testemunhas, hipótese em que haverá coautoria ou participação, conforme o caso.

A motivação para a prática deste crime é diversa, desde situações de mulheres que não estão grávidas; ainda não deram à luz ou cujo filho nasceu natimorto e querem justificar uma eventual gravidez ou legitimar o suposto nascimento de um filho em determinada data para fins sucessórios ou benefícios sociais por exemplo.

Situação peculiar é a do estrangeiro que utiliza declaração ideologicamente falsa, fornecida por outra pessoa e promove o registro de nascimento inexistente, de filho que seria seu, visando obter visto permanente no Brasil, restando configurada a violação ao art. 241 do CP e ao art. 125, XIII , da Lei 6.815 /80.

A consumação deste delito ocorre com a inscrição do nascimento inexistente no cartório de registro civil, independentemente dos efeitos que possa causar. A tentativa é possível quando, por exemplo, o agente emite a falsa declaração do nascimento, que não é registrado por circunstâncias alheias à sua vontade, por diligência do registrador civil.

A atuação do Registrador Civil nestes casos passa pela análise da autenticidade da declaração apresentada e, havendo dúvidas a respeito do nascimento, diligências junto a maternidade e eventualmente apresentação do recém-nascido.

Por fim, crime muito comum no Brasil, a chamada adoção à brasileira está prevista no art. 242 CP, com as condutas de dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil, com pena de reclusão, de dois a seis anos.

Diferente do art.241, neste tipo penal há um parto, um nascimento real. As situações mais comuns de adoção à brasileira são o parceiro que assume o filho de namorada ou o casal que burla a fila de adoção e registra como seu filho de outrem, mediante acerto pecuniário ou não.

Ainda que de difícil aceitação atualmente pelos nossos tribunais, é possível alegar erro de proibição na hipótese em que o agente, por suas condições pessoais de instrução e cultura local, desconhece ser crime a adoção a brasileira e acredita que como quer adotar, pode registrar como seu filho de outrem.

A conduta de ocultar recém-nascido se concretiza com a falta de registro da criança, sendo que para caracterizar este crime deve haver como elemento subjetivo a intenção de alterar direito, por exemplo hereditário.

Importante observar que é diferente da situação comum no interior do país em que muitos pais não registram os filhos por desconhecer a importância do ato, agindo sem o dolo de alterar direito, razão pela qual não há crime nessa omissão.

A conduta de substituir recém-nascido é trocar bebês, conduta que só caracterizará o presente crime se for dolosa.

Note-se que o erro na identificação de bebês é crime previsto no ECA, art. 229: Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, sendo punível na modalidade dolosa e culposa.

Importante lembrar que o parágrafo único do art. 242 prevê forma privilegiada ou a possibilidade de perdão judicial, na hipótese do juiz verificar no caso concreto que o crime foi praticado por motivo de reconhecida nobreza.

Da mesma forma que no crime anterior, a diligência do Registrador Civil é fundamental no momento do registro, no intuito de identificar incongruências nas informações prestadas pelo declarante, cabendo solicitar mais esclarecimentos em caso de dúvida ou até rejeitar a lavratura do assento conforme o caso.

Em relação ao registro de óbito, pode caracterizar falsidade ideológica (art.299 CP) por parte do declarante do óbito a inserção de dados falsos ou a omissão dolosa de determinadas informações, como por exemplo da inexistência de testamento, filhos ou parceiro, o que pode ocasionar lesões ao direito sucessório e previdenciário de terceiros. Da mesma forma, a indicação da causa mortis errada na Declaração de Óbito pode ter reflexos no pagamento de seguro de vida e no deslinde de ações penais e cíveis.

Note-se que há previsão legal de incidência de aumento de pena na falsidade ideológica quando for praticada por Registrador ou um de seus prepostos, bem como se ocorrer em assento de registro civil.

Por fim, de acordo com o art. 111, inciso IV CP, nos crimes de bigamia e de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido pela autoridade pública.

Esses são os crimes passíveis de ocorrer nos cartórios de RCPN e que demandam diligência e perspicácia por parte do Registrador Civil, que como delegatário de uma função pública, aprovado em concurso de provas e títulos, deve ter discernimento para a prática dos atos fundamentais da vida de todo cidadão.

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