A resolução 586/24 do CNJ busca desburocratizar acordos trabalhistas, reduzindo litígios e promovendo segurança jurídica nas relações.
De acordo com dados do CNJ, no ano de 2023, estima-se que no Brasil a quantidade de processos trabalhistas pendentes ultrapassou a marca de 5 milhões de litígios. Esse patamar, além de tornar a justiça mais lenta, compromete a geração de postos de trabalho, a formalização do emprego e o investimento, conforme apontou a análise do presidente do CNJ, Luiz Roberto Barroso. No dia 30/9, o CNJ aprovou a resolução de 586/24 que, em prestígio aos métodos de conciliações extrajudiciais existentes, estabeleceu regras complementares visando a redução dos altos índices de litigiosidade no país.
Inclusive, é válido ponderar que os acordos realizados perante a Justiça do Trabalho contribuíram para desafogar o Poder Judiciário, embora com volume baixo em relação à demanda. Segundo dados no TST, entre fevereiro e dezembro de 2023, foram conciliados 1500 processos. Houve acordo em 72% destes casos. Estes dados certamente reforçam a importância da conciliação como ferramenta de solução dos litígios.
Até a edição desta resolução, nosso ordenamento jurídico já previa formas de composição desvinculadas do processo judicial, notadamente a homologação de acordo extrajudicial, disciplinada pelos art. 855-B e seguintes da CLT, bem como a RPP – Reclamação Pré-Processual, desenvolvida pelo CSJT – Conselho Superior da Justiça do Trabalho, através de sua resolução de 377/24.
Ocorre que os métodos de jurisdição voluntária são objeto de críticas em razão das problemáticas enfrentadas com quitações restritivas e homologações parciais daquilo que os acordantes apresentam inicialmente. Por vezes, os juízes não homologam o acordo extrajudicial porque não foram cumpridos os requisitos legais e porque pode haver vícios que anulam o ato jurídico.
Com o objetivo de reduzir essa problemática e, consequentemente, o número de ações judiciais, o CNJ aprovou a resolução 586/24, a qual estabeleceu critérios específicos para fixação de quitação ampla, geral e irrevogável aos acordos firmados em procedimentos de jurisdição voluntária e homologados pela Justiça do Trabalho.
De acordo com a nova resolução, para que ocorra a quitação ampla, devem ser observadas as seguintes condições: previsão expressa e específica da quitação ampla, geral e irrevogável, nos termos do acordo; assistência das partes por advogados ou sindicados devidamente constituídos, sendo vedada a identidade de advogados entre as partes; assistência de pais, curadores ou tutores, em se tratando de trabalhador menor de 16 anos; e inexistência de vícios de consentimento já regulados pela legislação civil (erro ou ignorância, dolo, coação, lesão, estado de perigo).
Ainda de acordo com a resolução, a quitação ampla não alcançará: pretensões relacionadas a sequelas acidentárias ou doenças ocupacionais que sejam ignoradas ou que não estejam referidas especificamente no ajuste entre as partes ao tempo da celebração do negócio jurídico; pretensões relacionadas a fatos e/ou direitos em relação aos quais os titulares não tinham condições de conhecimento ao tempo da celebração do negócio jurídico; pretensões de partes não representadas ou substituídas no acordo; e títulos e valores expressos e especificadamente ressalvados.
Por fim, a resolução proibiu expressamente a homologação parcial de acordos celebrados.
Acrescentamos que, se cumprida em sua essência e literalidade, a resolução poderá representar maior segurança às partes que optarem pela jurisdição voluntária. Isto porque, atualmente, a utilização dos expedientes existentes tem sido desestimulada em razão da ausência de quitação ampla, geral e irrevogável do objeto daquilo que está sendo transacionado, mas também do extinto contrato de trabalho, além da recorrente homologação parcial dos ajustes. Além de oferecer segurança jurídica a norma vai ocasionar a desburocratização dos processos.
Contudo, a própria resolução prevê que a quitação não alcançará pretensões relacionadas a fatos e/ou direitos em relação aos quais os titulares não tinham condições de conhecimento à época do acordo, de modo que o argumento pode ser utilizado para pleitear, judicialmente, direitos distintos daqueles previstos inicialmente no acordo, especialmente por empregados considerados hipossuficientes. A resolução garante que um acordo não possa ser usado como uma “carta na manga” para impedir que direitos que não foram conhecidos ou discutidos possam ser reivindicados depois, protegendo assim aqueles que podem não ter a mesma capacidade de negociação ou informação.
Não é demais ponderar que, desde o ingresso em nosso ordenamento jurídico, a homologação de acordo extrajudicial tem sido pouco aceita e até mesmo utilizada, tendo em vista a ausência prática de quitação ampla ao objeto mediante a utilização de critérios e requisitos subjetivos por parte dos juízes do trabalho, inclusive em casos envolvendo empregados considerados hiperssuficientes (detentores de diploma de nível superior e que recebem salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social). Por outro lado, a cautela na homologação de acordos extrajudiciais reflete uma preocupação em proteger os direitos dos trabalhadores, mesmo quando se trata daqueles com melhor situação econômica e educacional. Desta maneira, o objetivo é evitar que acordos possam prejudicar os direitos trabalhistas, garantindo uma proteção mais ampla e efetiva.
Assim, é necessário aguardar como será o comportamento dos magistrados quanto à interpretação e aplicação da resolução, mas espera-se que os tribunais e as instâncias inferiores passem a observar esta nova regulamentação com vistas à utilização efetiva do instituto e redução, de fato, da litigiosidade no país. A expectativa é que isso leve a um sistema judicial mais ágil e menos congestionado, beneficiando todos os envolvidos.
Fonte: Migalhas