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Opinião: Os cartórios em tempos de pandemia do coronavírus

Opinião: Os cartórios em tempos de pandemia do coronavírus

Por Marcelo Guimarães Rodrigues, desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e Victor Fróis Rodrigues, Oficial de Registro e Tabelião.

 

O inesperado ritmo de progressão do contágio pelo novo coronavírus (Covid-19) culminou com a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional e impôs, em sequência, a reavaliação do cenário de alastramento da infecção ao patamar de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em atenção às orientações e recomendações proferidas pela referida OMS, o Ministério da Saúde estabeleceu um plano de resposta e enfrentamento emergencial do contágio pelo novo coronavírus em âmbito nacional (portaria nº 188, de 2 de fevereiro de 2020), com medidas coordenadas e articuladas por todas as esferas integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), concomitantemente à declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN).

Inobstante os baixos patamares de letalidade apurados, a facilidade de propagação e alastramento da infecção fez surgir a preocupação quanto à capacidade do sistema de saúde absorver a alta demanda de atendimentos médicos simultâneos, necessários sobretudo em razão das inúmeras internações provocadas por complicações respiratórias desenvolvidas pelos pacientes.

Assim, diante da necessidade de extensão das medidas preventivas do contágio e, com o intuito de evitar um colapso do sistema público de prestação de serviços de saúde, tal qual ocorreu e ocorre em países como a China, a Itália, a Espanha e os Estados Unidos — em virtude da falta de planejamento adequado e implementação em tempo hábil das medidas eficazes ao combate do vírus — a ação dos poderes constituídos foi dirigida à garantia de adequação do funcionamento de serviços públicos e das atividades da iniciativa privada à premente necessidade de distanciamento social temporário.

Nesse contexto, o funcionamento dos serviços extrajudiciais também sujeitou-se a mudanças durante este período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, em razão do novo coronavírus. Coube à Corregedoria Nacional de Justiça (artigo 8º, X, Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça), órgão integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), fazendo uso de sua atribuição regulamentar e normativa (artigos 103-B, §4º, I, II e III, e 236, §1º, da Constituição da República) dos atos administrativos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário, tanto quanto de seus serviços auxiliares, entre eles, notadamente, os serviços notariais e dos registros públicos, estabelecer as diretrizes que assegurariam a continuidade da prestação dos serviços, bem como a preservação da saúde de oficiais de registro, tabeliães, prepostos e usuários em geral.

A Corregedoria Nacional de Justiça, portanto, uniformizou em âmbito nacional o funcionamento dos serviços notariais e de registro durante o período de ESPIN, considerando, sobretudo, a essencialidade dos serviços notariais e dos registros públicos para o exercício da cidadania, para as hipóteses de alienação da propriedade imobiliária, para a obtenção do crédito com garantia real, para a prova do inadimplemento de títulos e tantos outros atos da atribuição dos oficiais de registro e dos tabeliães.

Dos marcos regulatórios (Recomendação nº 45/2020, Provimento nº 91/2020, Provimento nº 93/2020, Provimento nº 94/2020 e Provimento nº 95/2020) recém-publicados destaca-se a importância dada pela Corregedoria Nacional de Justiça à necessidade de acatamento pelos oficiais de registro e tabeliães das determinações emanadas, na forma da lei, pelas autoridades sanitárias da saúde pública municipais, estaduais e nacionais que imponham redução e/ou restrição do atendimento público, bem como, nas situações mais gravosas, a suspensão do atendimento presencial.

Nas localidades em que se imponham a suspensão do atendimento presencial dos serviços notariais e de registros públicos pelas autoridades sanitárias, o atendimento aos usuários dar-se-á por regime de plantão a distância — recepção de solicitações e transmissão de documentos por via eletrônica —, autorizado inclusive o uso dos serviços de correios, mensageiros ou qualquer outro meio seguro para o recebimento e a devolução de documentos físicos destinados à prática dos atos.

Sobreleva destacar a importância das centrais eletrônicas dos serviços extrajudiciais nesse período de contingenciamento e restrição ao atendimento regular, devido à sua capacidade de viabilizar o intercâmbio de documentos eletrônicos e o tráfego de informações em ambiente seguro.

Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais (CRC), interligada por todos os oficiais de registro das pessoas naturais do país, disponibiliza as seguintes funcionalidades: (I) CRC — Buscas: ferramenta destinada a localizar os atos de registro civil das pessoas naturais; (II) CRC — Comunicações: ferramenta destinada a cumprir as comunicações obrigatórias previstas nos artigos 106 e 107 da Lei nº 6.015/1973 (LRP); (III) CRC — Certidões: ferramenta destinada à solicitação de certidões; (IV) CRC — E-Protocolo: ferramenta destinada ao envio de documentos eletrônicos representativos de atos que devem ser cumpridos por outras serventias; (V) CRC — Interoperabilidade: ferramenta destinada a interligar os serviços prestados através de convênios com os programas necessários para o seu desenvolvimento.

Por sua vez, a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), interligada por todos os tabelionatos de notas do país, é composta dos seguintes módulos: (I) Registro Central de Testamentos On-line — RCTO: destinado à pesquisa de testamentos públicos e de instrumentos de aprovação de testamentos cerrados; (II) Central de Escrituras de Separações, Divórcios e Inventários — CESDI: destinada à pesquisa de escrituras a que alude a Lei nº 11.441/2007; (III) Central de Escrituras e Procurações — CEP: destinada à pesquisa de procurações e a atos notariais diversos; (IV) Central Nacional de Sinal Público — CNSIP: destinada ao arquivamento digital de sinal público de notários e registradores e respectiva pesquisa.

Através do portal Escritura Simples, o usuário também poderá realizar todas as etapas de lavratura da escritura pública referente a negócios jurídicos imobiliários pelo ambiente virtual, reduzindo etapas, deslocamentos, tempo e custos com a mesma segurança jurídica dos atos praticados presencialmente. A plataforma é mantida e gerenciada pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB), entidade representativa de todos os tabelionatos de notas do Brasil, e já opera regularmente em diversos serviços notariais cadastrados.

Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto (CENPROT), integrada por todos os tabeliães de protesto do país, disponibiliza, por meio da rede mundial de computadores, os seguintes serviços: (I) acesso a informação sobre quaisquer protestos válidos lavrados; (II) consulta gratuita às informações indicativas da existência ou inexistência de protesto, respectivos tabelionatos e valor; (III) fornecimento de informação complementar acerca da existência de protesto e sobre dados ou elementos do registro, quando o interessado dispensar a certidão; (IV) fornecimento de instrumentos de protesto em meio eletrônico; (V) recepção de declaração eletrônica de anuência para fins de cancelamento de protesto; (VI) recepção de requerimento eletrônico de cancelamento de protesto; (VII) recepção de títulos e documentos de dívida, em meio eletrônico, para fins de protesto, encaminhados por órgãos do Poder Judiciário, procuradorias, advogados e apresentantes cadastrados; (VIII) recepção de pedidos de certidão de protesto e de cancelamento e disponibilização da certidão eletrônica expedida pelas serventias do Estado ou do Distrito Federal em atendimento a tais solicitações.

Os sistemas de registro eletrônico de imóveis  foram implementados no âmbito estadual, integrados por todos os oficiais de registro de imóveis de cada unidade federativa, bem como do Distrito Federal, compreendendo as seguintes funcionalidades: (I) o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os ofícios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a administração pública e o público em geral; (II) a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; (III) a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico; (IV) a formatação, nos cartórios competentes, de repositórios registrais eletrônicos para o acolhimento de dados e o armazenamento de documentos eletrônicos.

Há também o sistema de registro eletrônico dos serviços extrajudiciais com atribuição de registro de títulos e documentos e pessoas jurídicas, que compreende: (I) o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre os ofícios de registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral; (II) a recepção e o envio de títulos em formato eletrônico; (III) a expedição de certidões e a prestação de informações em formato eletrônico; (IV) a formatação, nos cartórios competentes, de repositórios registrais eletrônicos para o acolhimento de dados e o armazenamento de documentos eletrônicos.

Nos casos dos serviços extrajudiciais das localidades em que as autoridades de saúde não tenham determinado a suspensão temporária das atividades, o atendimento presencial será realizado com a observância de rígidas medidas de precaução, visando a reduzir o risco de contagio pelo novo coronavírus, tais como redução do horário de atendimento, limitação de entrada de pessoas na área de atendimento, espaçamento entre cadeiras alocadas na área de espera ao atendimento, disponibilização de álcool em gel, luvas e máscaras para os atendentes que tenham contato com documentos em papel e com o público e higienização rotineira de máquinas, objetos, canetas e outros materiais de uso compartilhado.

Vale destacar o tratamento jurídico dado pela Corregedoria Nacional de Justiça aos atos de registro de nascimento e óbito realizados perante os serviços de registro de pessoas naturais, considerando os contingenciamentos impostos pela pandemia do novo coronavírus e o caráter essencial desses atos ao exercício da cidadania (artigo 5º, LVII, da Constituição da República c/c artigo 1º, VI, da Lei nº 9.265/1996). O prazo estabelecido no artigo 50 da Lei nº 6.015/1973 para declaração de nascimento fica prorrogado por até 15 dias após a decretação do fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional pelo Ministério da Saúde.

Durante o período de vigência da prorrogação ficam hospitais, maternidades e casas de saúde autorizados a encaminhar os documentos necessários à elaboração do registro de nascimento por via eletrônica, através do respectivo endereço eletrônico da serventia competente, sem prejuízo do funcionamento das unidades interligadas que operam nos estabelecimentos conveniados (artigos 1º e 2º, Provimento nº 13/2010, da Corregedoria Nacional de Justiça).

Tem-se em ordem que as declarações de óbito poderão ser assinadas presencialmente pelos declarantes legitimados nos próprios hospitais, e sua remessa ao serviço de registro competente, realizada diretamente ao respectivo e-mail para imediata lavratura do assento, devendo o interessado comparecer à serventia, posteriormente, para eventual complementação da documentação e retirada da certidão.

Neste cenário de pandemia viral, destacamos a preocupação e o empenho diuturno dos oficiais de registro e tabeliães de todo o país no combate ao novo coronavírus, aliados à necessidade de continuar proporcionando à população as garantias ínsitas aos sistemas de publicidade registral e das funções notariais.

No Sistema do Notariado Latino, adotado por 89 países do mundo, incluindo grandes potências e que abarca cerca de 2/3 da população do planeta, esses profissionais do Direito atuam em seu cotidiano na profilaxia jurídica — e o Direito, como ciência social, não está imune aos efeitos de uma grave crise sanitária. A segurança jurídica preventiva é e será preservada na adoção de medidas efetivas que permitam a continuidade dos serviços, nomeadamente pela manutenção dos padrões de eficiência para abreviar os riscos jurídicos, seja no resguardo da saúde dos prepostos ou dos usuários dos serviços.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico – ConJur.

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