De origem milenar, o notariado evoluiu de escribas egípcios a agentes da extrajudicialização, garantindo segurança jurídica, fé pública e acesso eficiente à justiça.
Raízes históricas do notariado: a função notarial remonta a aproximadamente 3.500 anos, situando-se na civilização egípcia, onde os notários eram conhecidos como escribas. Desde sua origem, o notariado surgiu como resposta à necessidade social de criar mecanismos que conferissem segurança e estabilidade às relações jurídicas, prevenindo conflitos e garantindo a paz social.
A função essencial do notariado alinha-se aos interesses primários de toda sociedade: justiça, segurança e bem-estar coletivo. Estes interesses, por sua vez, constituem a própria razão de ser do Estado, conforme reafirma o art. 1º da lei 8.935/1994, ao atribuir aos serviços notariais e de registro o dever de conferir autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos.
O sistema notarial latino: o Brasil adota o modelo notarial latino, presente em mais de noventa países ao redor do mundo. Diferentemente da tradição da common law, que privilegia soluções a posteriori via Poder Judiciário, o sistema latino prioriza a prevenção de litígios por meio da intervenção do notário.
No território brasileiro, a atividade notarial alcança todos os estados e municípios, revelando significativa capilaridade institucional. O tabelião de notas desempenha papel imparcial e confiável, intervindo em negócios jurídicos ora por imposição legal – como na alienação de bens imóveis de valor superior a trinta salários-mínimos -, ora por livre opção das partes.
Embora exerça função pública por delegação estatal, o notário o faz de forma privada, mantendo o equilíbrio entre o interesse público e a autonomia privada.
Fé pública e evolução funcional: os atos notariais são dotados de fé pública, isto é, possuem presunção de veracidade e constituem prova plena, nos termos do art. 3º da lei 8.935/1994.
Historicamente, a função do notário restringia-se à segurança jurídica e à conservação documental. Contudo, a partir de 1966, com a promulgação do CTN, os tabeliães passaram a exercer também função fiscal, colaborando com a arrecadação tributária. Posteriormente, com a edição da lei 12.683/12, ampliou-se seu papel, tornando-os agentes de combate à lavagem de dinheiro e à utilização ilícita do sistema jurídico.
A crise do Poder Judiciário e a busca por alternativas: o Poder Judiciário brasileiro enfrenta grave crise de sobrecarga, com mais de 35,2 milhões de processos em tramitação em 2024, enquanto o número de magistrados permanece reduzido – aproximadamente 19.000 juízes, o que representa média superior a 1.800 processos por magistrado.
Essa desproporção compromete a efetividade jurisdicional, violando o princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF). Norberto Bobbio, em A Era dos Direitos, já advertia para a contradição entre a multiplicação geométrica da população e de seus direitos tutelados e o crescimento aritmético dos meios de proteção institucional, gerando a conhecida equação perversa da morosidade e da ineficiência.
Com vistas a enfrentar esse cenário, a EC 45/04 – a chamada “Reforma do Judiciário” – introduziu importantes mecanismos, como a criação do CNJ, a adoção da repercussão geral, a edição de súmulas vinculantes e o fortalecimento dos meios consensuais de resolução de conflitos.
Extrajudicialização e o protagonismo notarial: nesse contexto, emerge a extrajudicialização da Justiça, também denominada compartilhamento da Justiça, que consiste na transferência de determinadas atribuições antes exclusivas do Judiciário para os serviços extrajudiciais.
Os notários e registradores assumem posição central nesse movimento, atuando como agentes de pacificação social. A legislação e os provimentos do CNJ consolidaram diversas hipóteses de solução extrajudicial, como por exemplo:
- inventário, partilha, divórcio e dissolução de união estável consensual;
- usucapião e adjudicação compulsória extrajudicial;
- execução de garantia hipotecária;
- cancelamento de compromisso de compra e venda;
- conta notarial;
- ata de certificação de condições contratuais;
- prática de atos eletrônicos, após o provimento CNJ 100/20.
- Todas essas medidas contribuem para a redução da sobrecarga do Judiciário e para a efetivação dos direitos dos cidadãos, sem afastar a via judicial, que permanece disponível e opcional.
Mediação, conciliação e arbitragem: nos casos em que há litigiosidade, os notários podem atuar como mediadores, conciliadores e árbitros, ampliando seu campo de atuação para além da formalização documental e reforçando sua função de garantidores da paz social.
Considerações finais: a evolução histórica do notariado revela sua contínua adaptação às demandas sociais. De escribas egípcios a agentes modernos de extrajudicialização, os notários mantêm como essência a conferência de segurança jurídica, estabilidade e confiança às relações privadas.
Em um cenário de sobrecarga judicial, sua atuação representa não apenas uma alternativa eficiente e confiável, mas também um elemento essencial de efetividade dos direitos fundamentais. O notariado, amparado pela fé pública e pela imparcialidade, confirma sua relevância como instrumento indispensável para a consolidação da justiça, da segurança e do bem-estar social.
Fonte: Migalhas