fbpx

Testamento público: testemunhas como requisito fundamental do ato

O que se mostra como requisito fundamental, em todos os julgados, é a presença das testemunhas. O objetivo deste artigo é estudar os requisitos essenciais para validade do testamento público. Inicialmente, a abordagem será com relação às formalidades previstas pelo Código Civil de 1916. Em seguida, irei apresentar o abrandamento do rigor formal pelo Código…

O que se mostra como requisito fundamental, em todos os julgados, é a presença das testemunhas.

O objetivo deste artigo é estudar os requisitos essenciais para validade do testamento público. Inicialmente, a abordagem será com relação às formalidades previstas pelo Código Civil de 1916. Em seguida, irei apresentar o abrandamento do rigor formal pelo Código Civil de 2002. Por fim, vou apresentar alguns julgados do STJ, que validaram testamento público, ainda que não cumpridas todas as formalidades previstas na legislação de regência.

O Código Civil de 1916 previa quatro formalidades como “requisitos essenciais do testamento público”: i) documento escrito por oficial público em seu livro de notas, de acordo com o que o testador declarar na presença de cinco testemunhas; ii) as testemunhas devem assistir o ato de testar por inteiro; iii)depois de escrito, o testamento deve ser lido em voz alta pelo tabelião ou pelo testador, na presença deste e das testemunhas; iv) logo após a leitura, o ato deve ser assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo oficial. Tantos requisitos tinham como objetivo garantir a higidez do ato de última vontade do testador. Por isso que o dispositivo fala em “requisitos essenciais”. Porém, a questão que se coloca é: um testamento que não cumpre algum ou alguns desses “requisitos essenciais” pode ser convalidado? Será que o descumprimento de uma formalidade pode ser suprido pelo cumprimento de outra?.

O inciso I do art. 1.632 do CC/1916 exige que o oficial público escreva em seu livro de notas o que for ditado ou declarado pelo testador, na presença de cinco testemunhas. A ideia é que, se porventura o oficial público não fizer o registro fidedigno no livro, as testemunhas que presenciaram o ato possam confirmar qual era a real vontade do testador.

O inciso II, por sua vez, veicula um requisito intimamente ligado ao primeiro, na medida em que deixa claro que a presença das testemunhas é exigida ao longo de todo o ato. A razão para esse acompanhamento testemunhal em tempo real chega a ser intuitiva: o objetivo é ofertar mecanismos de acautelamento e garantia de que tudo aquilo que o Tabelião está anotando é realmente o que foi declarado pelo testador.

Já o terceiro inciso (III) exige que, “depois de escrito o testamento, seja lido pelo oficial, na presença do testador e das testemunhas, ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial”. Conforme ensina o desembargador Carlos Roberto Gonçalves: “A leitura do testamento em voz alta pelo tabelião ou pelo testador é exigida (deve sê-lo também de forma inteligível) para que possam os presentes verificar a correspondência entre a vontade do testador e o texto escrito.”1

Por fim, extrai-se do inciso IV a necessidade de se coletar as assinaturas logo após a leitura do testamento. Aqui, o que se quer garantir é que o notário, ou qualquer outra pessoa, não possa alterar o conteúdo testamentário posteriormente, viciando a disposição de última vontade.

Os requisitos essenciais do testamento público visam ao resguardo da veracidade e da higidez da disposição testamentária. Eles formam um complexo de normas de orientação finalística convergente, de modo que eventual inobservância de um deles possa, a depender das circunstâncias do caso concreto, vir a ser suprida pelo fiel cumprimento dos demais.

Como se pode verificar, dentre as exigências formais, existem três sujeitos que são fundamentais: o testador, o tabelião e as testemunhas. O testador, claro, porque sem ele não há testamento. O tabelião porque é quem recebe por delegação do estado a função de registrar o ato, sendo dotado de fé pública. Por fim, as testemunhas são o garante das disposições testamentárias. São elas que vão conferir segurança jurídica aos termos contidos no testamento, garantindo que aquela é a real intenção do de cujus.

Observe que, mesmo descumprindo certos requisitos, havendo a presença de testemunhas, o ato de disposição de última vontade do falecido ainda poderá ter validade. Por exemplo, é possível que o tabelião, ao invés de ler o documento em voz alta, peça ao testador e às testemunhas que leiam em conjunto entre eles para constatar se o que está escrito representa o que o testador quer. Também podemos pensar em um testamento que não foi lavrado na presença de cinco, mas de apenas três testemunhas, que confirmam ser aquela a disposição de última vontade do testador.

Nesse sentido, ao editar o Código Civil de 2002, o rigor formal para lavrar testamento público foi abrandado. O art. 1.864 do CC/02, que prevê os” requisitos essenciais do testamento público” diminuiu o número de testemunhas presente ao ato para apenas duas e excluiu o inciso que exigia a necessidade das testemunhas assistirem a todo o ato.

Por certo, uma ótima evolução, sem deixar de garantir a segurança do ato. O número de testemunhas exigidas pelo Código Civil de 1916 era excessivo. Além disso, a imposição de assistir o ato por completo era desnecessária. Ambos os requisitos abriam margem para discussões no sentido de que a testemunha não assistira a todo o ato, ou que não haviam cinco testemunhas.

Como veremos adiante, não é preciso que as testemunhas assistam ao ato por completo. Basta que, na linha do inciso II do art. 1.864 do CC/02, após escrito o documento seja ele lido pelo tabelião na presença das testemunhas e do testador, garantindo que o oficial cartorário registrou ipsis litteris a vontade do testador. Aliás, nem seria preciso ler em voz alta. Bastaria que o tabelião entregasse o documento ao testador na presença das testemunhas para que lessem conjuntamente e pudessem confirmar a identidade entre o que está escrito e a vontade declarada.

Seguindo essa linha de abrandamento, o STJ passou a entender que o descumprimento de um ou de alguns requisitos exigidos pela legislação não seria suficiente para invalidar o testamento.

No Resp. 302.767/PR, julgado em 5/6/01 pela 4ª turma do STJ, sob a relatoria do min. César Asfor Rocha, decidiu-se que o depoimento de apenas uma testemunha, vinte anos depois de lavrado o testamento, afirmando não se recordar de ter assistido o ato, seria insuficiente para anular a disposição de última vontade. É importante notar que, neste caso, outras quatro testemunhas confirmaram o ato e seu conteúdo. Logo, não seria crível invalidar o documento, quando outras quatro testemunhas confirmaram o conteúdo e o cumprimento de todos os demais requisitos do art. 1.632 do Código Civil de 1916.

No Resp. 600.746/PR, também analisado pela 4ª turma do STJ, em 20/5/10, sob a relatoria do ministro Aldir Passarinho Junior, questionou-se o fato do testamento não ter sido lavrado pelo oficial do cartório e que as testemunhas não teriam acompanhado o ato integralmente. O Tribunal da Cidadania decidiu pela manutenção das disposições testamentárias por constatar que as testemunhas assistiram às declarações da testadora e à leitura do documento feito logo após ser reduzido a termo. Além disso, elas teriam confirmado em juízo ser aquela a real vontade da testadora. O que podemos observar é que a presença de testemunhas é fundamental, para garantir o conteúdo das disposições testamentárias. Somente elas podem confirmar que a intenção do falecido é a mesma contida no testamento.

Em outro julgado, de 23/11/10, a 3ª turma do STJ, no Resp. 753.261/SP, rel. min. Paulo de Tarso Sanseverino, manteve a validade de testamento lavrado em um dia e assinado somente no dia seguinte. Isso porque, durante a instrução processual ficou comprovado que, mesmo havendo cisão, participaram do ato o advogado do testador, o escrivão e cinco testemunhas, que confirmaram em juízo ser aquela a real vontade do testador. Logo, desnecessário invalidar um ato que não pode mais ser refeito.

Além desses julgados, existem tantos outros confirmando o ato de disposição de última vontade, ainda que ausente algum requisito considerado essencial pela legislação de regência. Porém, em todos eles, o que se percebe é que a vontade do testador pode ser confirmada pelo cumprimento de outros requisitos.

O que se mostra como requisito fundamental, em todos os julgados, é a presença das testemunhas. Somente elas podem garantir a veracidade quanto ao conteúdo das disposições testamentárias. Ainda que as testemunhas não tenham presenciado todo o ato, ou que o documento não tenha sido assinado logo após ser lavrado, ou que não tenha havido a leitura em voz alta pelo tabelião ou pelo testador, o ato pode ser válido se as testemunhas confirmarem que presenciaram o ato e puderem garantir que aquela é a real vontade do falecido.

Mas, e quando nenhuma das testemunhas presencia o ato?

Na doutrina de Zeno Veloso, a ausência breve e passageira de testemunhas não invalida o documento testamentário. Por outro lado, se as testemunhas não assistem nenhum ato que possa garantir a identidade entre o que está escrito no testamento e a declaração de vontade do testador, o documento é inválido:

Louvamos a doutrina e jurisprudência que não fulminam de nulidade o testamento em que ocorreram breves e passageiras ausências de testemunhas, observadas, é claro, as circunstâncias de cada caso. Mas, não vemos como aceitar a tese em prol da validade de um testamento em que as testemunhas não assistiram à redução a escrito (e já não tinham presenciado as declarações orais do testador!), sem que isto importe em flagrante desrespeito à expressa norma legal2

Tal hipótese ocorreu no julgamento do Resp. 1.639.021/SP, em 24/10/17, pela 3ª turma do STJ. Em seu voto, o i. ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva declarou que não houve a leitura do documento pela testadora, nem assinatura na presença das testemunhas, sendo estes requisitos intransponíveis:

Por sua vez, estão ausentes outros requisitos legais concernentes à leitura e à assinatura do testador na presença das testemunhas, o que é intransponível nessa seara processual.3

Nesse contexto, o e. ministro ressaltou: “(…) que não pode é o Poder Judiciário chancelar o cumprimento de documento impugnado e desprovido de formalidade legal inerente à essência do próprio ato e controvertido, conforme acima já declinado.4”. Por isso, concluiu que sem a presença dos requisitos exigidos pela legislação de regência, não poderia o testamento ser confirmado:

Em vista de todo o aduzido, não pode ser confirmado o testamento particular formalizado sem todos os requisitos exigidos pela legislação de regência (…)5

Apesar do i. ministro falar em invalidade de testamento que não cumpre “todos os requisitos”, é preciso considerar que, mesmo descumprindo algum requisito, ainda é possível validar o documento testamentário, se existirem testemunhas que presenciaram o ato, assinaram o documento e que possam confirmar a identidade entre o conteúdo do ato e a real vontade do testador.

Portanto, dentre os requisitos essenciais para lavrar testamento público, as testemunhas mostram-se como requisito fundamental. Sem elas, não é possível garantir que o conteúdo do ato é a verdadeira disposição de última vontade do testador.

Em todos os casos mencionados neste artigo, como em tantos outros julgados pelo STJ, o requisito que está sempre presente são as testemunhas. Com a morte do testador, havendo impugnação às disposições testamentárias, somente as testemunhas podem garantir a validade do ato e o seu conteúdo.

Fonte: Migalhas

Você deve gostar

O que há de novo
Ver mais
testeVisit Us On LinkedinVisit Us On InstagramVisit Us On FacebookVisit Us On Youtube