Magistrados e magistradas das cinco regiões do Brasil prestigiaram a abertura do Seminário ”Soluções Fundiárias: Perspectiva de Atuação do Judiciário no Regime de Transição Estabelecido na ADPF 828”, na noite de quinta-feira (27/4), no auditório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A mesa foi composta pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber, e pelo conselheiro e coordenador do grupo de trabalho que trata do tema das soluções fundiárias no Judiciário, ministro Vieira de Mello Filho.
Em sua fala, a ministra destacou que é missão do Conselho trabalhar, de forma estratégica, para a implementação de melhorias que aprimorem o Poder Judiciário na sua finalidade maior: a entrega de prestação jurisdicional célere e eficaz na solução dos conflitos de interesses do país. A todos que acompanhavam o evento, a presidente do CNJ esclareceu que a criação das comissões para solução de conflitos fundiários deve “garantir segurança jurídica, previsibilidade, eficiência e, acima de tudo, a uniformidade mínima necessária para o enfrentamento da questão sem descurar das peculiaridades regionais.”
A ministra lembrou que, com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, foi imposto regime de transição para a retomada da execução das decisões de despejo coletivo. Os tribunais de Justiça e os tribunais regionais federais foram orientados a instalar comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes e a elaborar estratégia de retomada da execução de decisões. Cabe às comissões a realização das inspeções judiciais e das audiências de mediação como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva.
O papel do CNJ é oferecer “parâmetros de padronização dos procedimentos a serem adotados pelas diversas comissões de enfrentamento da temática, oferecendo direcionamento para que os tribunais possam se organizar de maneira condizente com a complexidade da missão que lhes foi confiada, partindo da experiência da comissão adotada no julgado como paradigma, qual seja, a Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná”, esclareceu a ministra.
A ministra Rosa Weber salientou que a discussão não está centrada nos conflitos, mas nas soluções. “Aos agentes do Poder Judiciário, cabe a busca de soluções fundiárias para situações conflituosas que atingem milhares de pessoas, gerando insegurança, violência e instabilidade para todos os envolvidos nos litígios possessórios”.
Rosa Weber ainda ressaltou que as comissões não têm poder decisório no processo judicial, tampouco estão autorizadas a interferir na independência do juiz ou da juíza da causa. “Podem elas colaborar com o magistrado ou a magistrada do processo, no que diz com a instauração de ambiente processual e negocial próprio para uma intervenção estrutural no conflito fundiário em julgamento”.
Enfoque multidisciplinar
Em sua palestra, o conselheiro Vieira de Mello Filho destacou que é necessária uma verdadeira revolução na forma como os conflitos fundiários coletivos são tratados no âmbito do Poder Judiciário. O conselheiro ressaltou que o desafio é uma mudança de cultura na solução dos conflitos, com base nas ferramentas disponíveis no sistema legal já consolidado. “As formas jurídicas convencionais para os conflitos possessórios, de natureza coletiva, não têm sido suficientes para dar cabo das disputas”, enfatizou.
O ministro destacou também que uma decisão judicial pode ter resolvido a questão processual, mas o conflito permanece vivo, muitas vezes com violação dos direitos humanos, inclusive com ações desastrosas. Ele lembrou que são abundantes os casos em que a ordem judicial de despejo ou de desocupação não tem qualquer efeito prático, a não ser o de encerrar formalmente o limite de atuação do Poder Judiciário no caso concreto.
Ele analisou que, dessa forma, o Poder Judiciário falha. “Falha na entrega, porque, em última análise, todos estão insatisfeitos com o desfecho. O emprego correto dos meios adequados, muitas vezes, não gera o resultado almejado. Todos perdem. Perdem as partes, que não têm sua situação fática definida, perde o Poder Judiciário, que se desgasta institucionalmente com decisões de baixa efetividade, e perde a sociedade, que não consegue retornar ao centro de estabilidade nas relações”.
O ministro lembrou que a disputa fundiária envolve contexto de violência desde os primórdios de todas as culturas e traçou a situação dos enormes contingentes populacionais sem direito a um espaço, seja para morar ou produzir. “São indivíduos vulneráveis que, em razão de sua condição de exclusão, têm sua própria existência marcada pelo signo da ilegalidade. Não é possível que as pessoas deixem de existir em razão de uma decisão judicial”, reforçou.
Vieira de Mello Filho avaliou que o problema demanda mais do que uma ação pontual do Poder Judiciário: necessita de enfoque multidisciplinar. “Nenhuma decisão judicial sozinha, por melhor que seja, vai pacificar um conflito que não é jurídico: é econômico e social”, sublinhou.
O conselheiro também ressaltou que, apesar do Poder Judiciário não ter atribuição de implementação de política pública, pode apontar para a direção dessas políticas, que necessitam da participação coordenada dos poderes da República. Ele lembrou que o CNJ deve apresentar experiência que pode resultar numa nova prática pacificadora, fomentando a eficácia da atuação do Poder Judiciário na solução de demandas de altíssima complexidade.
Para aprofundar o tema, nesta sexta-feira (28/4) será apresentada a experiência do estado do Paraná. Desde a instalação da comissão nessa unidade da federação, foram realizadas, em mais de 120 intervenções, centenas de audiências de mediação que levaram às mais variadas soluções. Houve casos de desapropriação das áreas ocupadas, de assessoramento em compras coletivas pelos próprios ocupantes, de urbanização e até mesmo de doação de terrenos ocupados. Nenhuma desocupação promovida registrou uso de violência policial. “São mais de 15 mil famílias impactadas positivamente pela atuação da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná”, destacou Vieira de Mello Filho.
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Fonte: CNJ